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6 Reflexões Que Toda Mulher Branca Deve Fazer Sobre o Uso do Turbante

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  • Karoline Gomes
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O debate sobre apropriação cultural tem ganhado grandes proporções na web. Todos os dias aparecem novos vídeos ou textos relacionados ao assunto. Vários deles são embasados com fontes e pesquisas muito bem estruturadas, outros apenas com referências do Wikipédia, feitos rapidamente para não perder a oportunidade de entrar na discussão.

O debate sobre apropriação cultural tem ganhado grandes proporções na web. Todos os dias aparecem novos vídeos ou textos relacionados ao assunto. Vários deles são embasados com fontes e pesquisas muito bem estruturadas, outros apenas com referências do Wikipédia, feitos rapidamente para não perder a oportunidade de entrar na discussão.

Quem precisa de ajuda para se situar no assunto, a dica são esses dois vídeos muito didáticos que me ajudaram bastante a compreender a problematização em torno disso. Eles são: “What is Cultural Appropriation”, da youtuber Marina ShutUp e “Don’t Cash Crop On My Cornrows”, protagonizado pela atriz de Jogos Vorazes, Amandla Stenberg, no canal Hype Hair Magazine. Em português, tem um texto bem bacana da Revista Capitolina respondendo as perguntas mais comuns sobre o tema.

Mas de todo o conteúdo que anda surgindo, o que mais me intriga é aquele tipo de texto que eu chamo de “justificativa”. Você já deve ter lido um desse tipo, que, como o nome sugere, existe para fundamentar (a qualquer custo) o uso de uma peça em específico e que gera muita discussão: o famigerado turbante.

Com o tempo, aprendi a diferença entre o turbante africano e os truques de styling para uso de lenços, uns até são vendidos prontos em lojinhas de bijuterias. São duas coisas diferentes e por isso nem vale a pena entrar no debate quando a discussão gira em torno do segundo.

Mas o modo como a moda se apropria de amarrações e estampas de inspiração ou de origem africana acaba apagando as diferenças entre as duas coisas. Numa sociedade racista e que ignora a desigualdade, é muito fácil mascarar estes pequenos roubos de cultura disfarçando-os como inspiração ou homenagem, enquanto a exclusão social de mulheres negras continua acontecendo.

Mesmo consciente do quão tênue essa linha é, fica difícil entender porque, mesmo dentro de grupos feministas onde deveriam também ser desconstruídas as necessidades de consumo, se faz tanta questão de defender o uso do turbante. Por isso, eu proponho a quem já brigou muito pelo direito de usar turbante não sendo mulher negra uma reflexão em torno do assunto através dessas sete questões.

1. O turbante não é essencial

Ele pode ser muito estiloso, de fato, mas na verdade o turbante não é peça essencial para uma mulher branca, saudável (que não faça quimioterapia ou sofra de alguma doença que provoque queda de cabelos) e de cabelo liso, ao contrário de quando se tem cabelo afro.

O turbante é uma solução rápida nos dias mais embaraçados, para conter a deformação causada nos cachos pelo travesseiro, cobrir o frizz que muitas vezes aparece incontrolável, ou ainda servir como coroa para realçar a autoestima de uma pessoa que sempre teve problemas com ela, principalmente por causa do cabelo.

Não é como se estivessem pedindo para você deixar de usar calças ou sapatos para andar na rua. No fim das contas, o turbante é só mais um acessório dispensável.

2. É preciso fazer o recorte social

O que é evidente (e incômodo também) é que existe uma sororidade seletiva, quando não fútil, acerca do uso dos turbantes. Isso significa que: o problema de outras mulheres é importante até ele começar a atrapalhar o seu senso fashion ou seu livre arbítrio de usar o que deseja.

Você já parou para pensar o quanto você está ajudando a reproduzir esta ideia de acessório “tem que ter” passado pela indústria da moda, que sempre usa modelos brancas em suas propagandas, ao se apropriar do turbante?

Não parece justo, não quando mulheres negras sofrem apontamentos e, principalmente, piadas de intolerância religiosa quando usam turbante, enquanto a mulher branca recebe elogios e é considerada muito estilosa.

3. E reconhecer privilégios

Existem alguns textos explicando sobre mulheres da elite branca dos anos 20 usando turbantes em festas sociais. Nesse caso, não há problema para qualquer mulher se inspirar neles, uma vez que a referência viria de um público que não sofreu opressão estética ou social e, provavelmente, criou este estilo para ser reproduzido.

Entretanto, mesmo que todas as mulheres brancas hoje usassem este mesmo estilo de turbante, as negras ainda seriam discriminadas e as brancas ainda seriam protagonistas. Logo, esse argumento falha ao tentar estabelecer uma simetria no uso de turbantes, principalmente porque ignora que os turbantes de estilo africano também são copiados e utilizados, e não somente as versões da elite branca dos anos 20.

4. Toda esta pesquisa não está sendo feita de forma superficial?

O primeiro “texto-justificativa” que eu li (ou tentei ler) era escrito num tom pejorativo, com conteúdo fora de ordem cronológica da suposta história do turbante, e ainda era longo e cansativo.

Com o tempo, percebi que todos os outros textos e falas com essa vontade de justificar o uso do turbante seguem as mesmas características e conteúdo. Todos reproduzem uma pesquisa rasa e ideias pré-estabelecidas para rebater os argumentos colocados na fala da mulher negra de uma forma já quase decorada e sem espaço para real reflexão.

Não é a toa que as conversas sobre isso se tornam tão cansativas, principalmente do lado da minoria, nunca ouvida e muito menos respeitada. Espero um dia poder ler um estudo definitivo – ou quem sabe pesquisar eu mesma – sobre o que é apropriação, de preferência tendo o turbante como objeto de estudo.

5. Se apropriar de outras culturas está permitido?

“Mas essa amarração que eu fiz é de turbantes usados no oriente médio”. Então, para não ser taxada de racista por fazer turbante africano, o “textão-justificativa” traz uma pesquisa sobre qualquer outra cultura onde os turbantes também são presentes e atribui o uso à ela.

De fato, o turbante não é exclusividade da cultura negra e africana, mas não é porque você está evitando usar um que seja dessa origem, que é ok usar um indiano ou egípcio.

Mesmo que a associação do turbante com a origem indicada esteja certa, será que houve uma busca sobre aquela tradição ou simbologia do turbante? O uso do turbante para determinada cultura pode significar muito ou nada, porém quem se importou tanto para tê-lo como referência deveria ao menos se preocupar também com sua história.

6. Livre-se da culpa

É possível notar muitas feministas preocupadas com a opinião dos outros sobre o uso do turbante. Se mesmo após tantas justificativas não existe conforto com o uso da peça, por que insistir?

No fim das contas, essa vontade absurda de usar turbantes só alimenta a indústria que se apropria disso e ajuda a diminuir ainda mais a voz de quem tem sua ancestralidade banalizada. De quebra, ainda provoca horas de discussões e uma culpa desnecessária.

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