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C&A Lança Coleção de Camisetas EcoFriendly Certificadas Cradle to Cradle

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  • Marina Colerato
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A C&A lançou ontem, 23, a primeira coleção de moda do mundo certificada Gold pelo programa de certificação do Cradle to Cradle Innovation Institute, uma organização sem fins lucrativos que "educa e capacita os fabricantes de produtos de consumo para se tornarem uma força positiva para a sociedade e o meio ambiente, ajudando a promover uma nova revolução industrial". O evento aconteceu em São Paulo e contou com uma roda de conversa mediada por Lilian Pacce, com a presença de Luisa Santiago da Ellen Macarthur Foundation, Fernanda Paes Leme, atriz e apresentadora do projeto Desengaveta e Paulo Correa, presidente da C&A Brasil. Intitulada #ComecePeloBásico, a campanha começa a rodar com força total a partir do próximo dia primeiro, quando 29 lojas e o e-commerce da marca iniciarão a comercialização das peças. 

A linha conta com 12 camisetas básicas, 6 femininas e 6 masculinas, que já foram lançadas na Europa e chegam ao Brasil com modelagem adaptada para o público nacional. Confeccionadas em algodão orgânico, com tingimento livre de químicos nocivos e com atenção total aos detalhes – tanto a linha da costura quanto a etiqueta interna precisam atender às especificações do certificado – as peças são compostáveis e apresentam especificações técnicas responsáveis por tornar sua reciclagem mecânica mais simples quando comparada a peças de algodão convencionais.

A Cradle to Cradle Certification conta com cinco níveis de certificação: básico, bronze, prata, ouro e platina. A certificação ouro, recebida pela C&A, exige comprometimento com produção livre de químicos tóxicos e prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, limites de emissões de CO2, uso de pelo menos 50% de energia renovável no processo de produção, reaproveitamento de água, design pensado para pós-consumo, compromisso com as pessoas envolvidas em todo o processo de produção e muitos outros padrões bastante rigorosos para garantir uma produção mais limpa e menos impactante possível.

“Sem dúvida o lançamento dessa camiseta é um marco para o varejo de moda nacional e um grande motivo de orgulho para todos nós. Mais uma vez conseguimos trazer em primeira mão para as clientes brasileiras, um produto absolutamente inovador, reciclável e resultado de muitas pesquisas e novos processos com toda a cadeia produtiva. Estes produtos são símbolos do nosso compromisso incondicional em servir como uma plataforma de moda com impacto positivo para a sociedade”, disse o presidente da C&A Brasil, Paulo Correa.

As camisetas foram desenvolvidas em parceria com o Fashion for Good, centro de inovação em moda e sustentabilidade, estabelecido na Holanda, por meio dos recursos cedidos pela C&A Foundation. O Fashion for Good é fruto de uma parceria global que reúne fabricantes de roupas, varejistas, organizações sem fins lucrativos, inovadores e financiadores em prol do objetivo comum de fazer com que a moda se torne circular e mais sustentável. Todas as peças foram produzidas na Índia, do algodão à peça final.

Projeto Reciclo

O lançamento da coleção veio junto com o lançamento do projeto Reciclo, iniciativa da C&A cujo objetivo é colocar em prática a logística reversa de têxteis pós-consumo. As mesmas lojas que comercializarão as camisetas contarão com urnas para devolução de peças usadas, sejam elas da C&A ou não. Similar com o programa de reciclagem da H&M, o projeto Reciclo pretende evitar que peças de roupa terminem em aterros sanitários. O presidente da marca afirmou em uma entrevista a jornalistas pós evento que a empresa ainda está desenhando caminhos para essa logística reversa, mas um deles já está definido e será feito em parceria com a Malha, no Rio de Janeiro. Um programa de upcycling que garantirá nova vida às peças devolvidas.

Os desafios do projeto, assim como os desafios de qualquer projeto de logística reversa de têxteis pós-consumo, são basicamente dois. O primeiro é reciclar ou fazer o reuso dessas peças com eficiência, com menor impacto e gerar a menor demanda de matérias-primas virgens possível. Isso tudo sem perder qualidade de produto e garantir um ciclo de reciclagem contínuo. O segundo é engajar os consumidores a devolver suas peças e não simplesmente as jogarem no lixo. No Brasil, ainda não temos dados quantitativos ou informações relevantes acerca do comportamento do consumidor para entender a vida útil de um produto de moda e seu descarte. Nós sabemos que, com excessão do alumínio, nossas taxas de reciclagem são baixíssimas. Não está claro se a C&A tem algum estudo do tipo com foco vestuário, pois nada foi divulgado, mas Correa afirmou que a marca vai assumir um papel também de educação, mostrando às pessoas a importância de se engajar na pauta, sem especificar estratégias.

Quando players importantes saem na frente, se posicionam e propõe possibilidades, a conversa esquenta e outras empresas, cedo ou tarde, precisarão alcançá-las.

Outro ponto responsável por chamar bastante atenção e está alinhando com o discurso da economia circular adotado pela C&A, foi a possibilidade das camisetas serem compostadas, uma raridade na indústria. Porém, a C&A olhou extremamente bem para processos e produto, mas esqueceu de olhar para sociedade: um produto compostável feito para um público que não está habituado à prática de compostagem é irrelevante. Essa camiseta, assim como lixo orgânico ou qualquer outra camiseta de fibras naturais, quando jogada em aterros sanitários se degrada relativamente rápido, porém gera gases poluentes e não vira adubo, como muitas pessoas acreditam, já que ninguém mexe em aterros sanitários para separar compostos orgânicos de não orgânicos a fim de reaproveita-los. Para produtos compostáveis fazerem realmente sentido é preciso toda uma estratégia de educação e incentivo à compostagem, seja ela industrial ou doméstica.

Por que importa?

No Brasil, a C&A é a única grande varejista do setor a assumir publicamente responsabilidade com a sustentabilidade. Grandes corporações têm dinheiro suficiente para investir em novas tecnologias, poder de influência e capacidade de escalonar soluções mais sustentáveis, porém praticamente nenhuma delas parece estar, de fato engajada. Quando players importantes saem na frente, se posicionam e propõe possibilidades, a conversa esquenta e outras empresas, cedo ou tarde, precisarão alcançá-las.

A coleção #ComecePeloBásico começa ser vendida dia 01 de setembro em 29 lojas e no e-commerce da marca e as peças custarão R$ 19,90

Há alguns anos e fora dos holofotes da mídia, por meio da C&A Foundation, a C&A vêm fazendo um trabalho de investimento e desenvolvimento em iniciativas capazes de tornar a moda mais justa, sustentável e ética. Eles foram responsáveis por financiar o Fashion Transparency Index, do Fashion Revolution, ações da organização Canopy, que combate a devastação de florestas por conta da alta produção de viscose, organizações que incentivam a economia circular, o combate ao trabalho escravo e infantil, melhores práticas para plantação de algodão como o Better Cotton Initiative e diversas outras iniciativas.

No Brasil, o Instituto C&A, há 25 anos atuando especificamente na área da educação em projetos não relacionados à moda, começa a mudar seu posicionamento e apoiar iniciativas que proponham mudanças nessa indústria. Eles estão por trás do Laboratório de Moda Sustentável, do Tecendo Sonhos, programa da Aliança Empreendedora com foco no empoderamento social e econômico de imigrantes latinos que trabalham na indústria, principalmente na confecção, além da própria Malha e muitos outros projetos com foco em educação, algodão orgânico, resiliência social e fortalecimento de comunidades.

Precisamos começar por algum lugar, sempre vai ter alguém que diz que não é possível, que não dá pra fazer. Mas é preciso ir lá e fazer. Apenas faça.

Apesar da fundação e instituto serem independentes da C&A, inevitavelmente eles são responsáveis por auxiliar a marca a ter melhores práticas, repensar produção e processos, além de respeitar o capital humano e criativo envolvido em todas as etapas da cadeia produtiva. Com metas ousadas, como uso de algodão mais sustentável em 100% da sua produção e eliminação total de químicos nocivos na sua cadeia de produção até 2020, comprometimento com economia circular e tolerância zero ao trabalho forçado, o que a C&A está fazendo por meio desses apoios é investir, também, no seu próprio futuro.

Modelo de negócio: o elefante na sala

A verdade é que coleções mais sustentáveis, ambientalmente mais amigáveis e menos impactantes, com total controle dos processos e responsabilidade com as pessoas envolvidas são passos necessários. Imprescindíveis e até mesmo inspiradores. Não queremos uma indústria parada, queremos muitas iniciativas como essas. Créditos devem ser dados quando créditos são devidos. Mas não há sustentabilidade sem um shift radical no modelo de negócio dependente do consumo impositivo – nós já falamos sobre isso diversas vezes. Grandes empresas, com excessão de uma ou outra como a Patagônia, precisam vender mais, sempre mais, muito mais para manter seus acionistas contentes. Afinal, nós ainda vivemos numa sociedade viciada por dinheiro e poder e desde a revolução industrial as empresas e o marketing estão fazendo seu melhor para garantir que as pessoas se tornassem nada mais do que apenas consumidores.

Coleções de moda sustentáveis não darão conta do recado. Economia circular não dará conta do recado. Upcyling não dará conta do recado. Com um consumo de moda previsto em aumentar 63%, até 2030, se nós não pensarmos em alternativas para o sistema de vendas de produtos como única maneira de fortalecimento econômico, como única maneira de fazer negócios, nós estamos fadados a ir de encontro com as previsões mais pessimistas já pautadas sobre o futuro da sociedade. Correa parece saber disso e afirma que a C&A está comprometida em repensar seu modelo. Afinal, a empresa existia antes do fast fashion e pode existir depois dele. “Precisamos começar por algum lugar, sempre vai ter alguém que diz que não é possível, que não dá pra fazer. Mas é preciso ir lá e fazer. Apenas faça”, finaliza ele.

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