Organização de mídia, pesquisa e educação sem fins lucrativos que atua por justiça socioambiental e climática por meio de uma perspectiva ecofeminista.

pesquise nos temas abaixo

ou acesse as áreas

apoie o modefica

Somos uma organização de mídia independente sem fins lucrativos. Fortaleça o jornalismo ecofeminista e leve a pauta mais longe.

Destrua o Patriarcado, Salve o Planeta: Por Que Proteção Ambiental e Feminismo Juntos

Publicada em:
Atualizada em:
Texto
  • Marina Colerato
Imagens

Time Modefica

4 min. tempo de leitura

Nós já falamos várias vezes que vivemos um momento onde não há mais chance de separarmos a luta feminista da luta pela proteção da Natureza e vice-versa. Mas nós sabemos que ainda precisaremos falar disso muitas outras vezes até realmente conseguirmos chegar num lugar onde a luta anti-opressão seja realmente capaz de olhar e agir de forma sistêmica para desestabilizar as relações de poder que alicerçam a sociedade contemporânea e todas as opressões que a sustentam.

Vencidas pelo cansaço não seremos e por isso estou aqui mais uma vez para dizer que mulheres e pessoas não-brancas são as que mais sofrem com a destruição do meio ambiente ao mesmo tempo que, são elas também, quem mais o protegem. Por esses dois motivos, faz zero sentido continuarmos atuando como se a Natureza estivesse lá – onde for, longe, em algum lugar que não sabemos e não conhecemos – e nós aqui. Ao mesmo tempo, não podemos permitir um movimento pelos Direitos da Natureza que negue as questões de gênero, raça e classe sem olhar para como o patriarcado é uma estrutura de poder que está acabando com o mundo natural.

Como dados e história são nossos melhores amigos para provar argumentos (ou, pelo menos, deveriam) vamos trabalhar com eles. Mas antes de começar eu gostaria de lembrar alguns pontos:

• Natureza é a água que bebemos.
• Natureza é o ar que respiramos.
• Natureza é o solo da onde vem nossa comida.
• Natureza são os oceanos que garantem equilíbrio sistêmico.
• Natureza é provedora de todos os recursos imprescindíveis para a vida na terra.

Isto posto, podemos começar falando sobre a inclinação das mulheres para preservação ambiental ao analisarmos os estudos responsáveis por mostrar que:

• Mulheres produzem menos lixo.
• Elas reciclam mais.
• Elas comem menos carne.
• Elas são mais suscetíveis a comprarem um carro elétrico.
• Elas são mais preocupadas com questões ambientais, e votar de acordo com essas preocupações.
• E mulheres deixam uma pegada de carbono menor.

E, por bem ou por mal, esses comportamentos ambientais generificados estão associados ao próprio sistema patriarcal e a noção – arcaica – que masculinidade e poder têm a ver com dominação da natureza. Mulheres são ensinadas para o cuidado desde cedo, numa educação que valoriza empatia, altruísmo e generosidade, a qual, em tese, seria uma preparação para os papeis de mãe, professora, cuidadora.

Não se importar com prejudicar coisas é um dos elementos mais importantes da masculinidade tradicional.

Christina Cauterucci

O oposto também é válido. Algumas pesquisas mostraram que homens rejeitam comportamentos ambientalmente amigáveis porque eles se sentem menos machos fazendo coisas como carregar ecobags e comer vegetais. Para incentivar homens a se engajarem na pauta ambiental, pesquisadores sugerem uma aproximação mais “masculinizada” para ONGs e movimentos ambientalistas.

Uma breve pausa.

Ecobags e vegetais ferem a masculinidade – e mulheres que são as sensíveis da história.

Ok.

Seguimos.

Não há nada particularmente novo nessas pesquisas. Carol J. Adams, Carolyn Merchant, Karren Warren, Vandana Shiva são algumas das ecofeministas que vêm conduzindo esse debate há anos, mas novos dados servem para reafirmar velhos conhecimentos – principalmente numa era onde líderes globais reafirmam comportamentos “machos” por meio da negação das pautas ambientais.

Não haverá futuro sustentável com silenciamento do protagonismo feminino 

Por esses motivos todos, é imprescindível garantirmos espaço para mulheres nas mesas de discussões e espaços de tomada de decisão sobre questões socioambientais. Países com mais mulheres na política têm mais chances de ratificarem os tratados ambientais internacionais. E o engajamento de uma “massa crítica” de mulheres está ligado a resultados mais progressistas e positivos (e mais tomada de decisão com foco na sustentabilidade) em todos os setores, inclusive dentro das empresas.

Queridos homens brancos vocês me ouvem? Não existe possibilidade de sustentabilidade num ambiente de discussão e ação cheio de homens brancos. Talvez a insistência de vocês para manterem a hegemonia esteja nos atrasando na luta contra a destruição do planeta – e não é porque não há mulheres para ocupar esses espaços. Há mais mulheres do que homens na verdade. Mas vocês estão bloqueando nossos acessos.

Porém, não só o protagonismo é arrancado das nossas mãos sempre que possível como também nossas ideias para transformação não são financiadas. Desde start ups com execelentes ideias até mulheres agricultoras produzindo alimentos orgânicos. Mais um pouco de dados para provar essas afirmações.

Iniciativas comunitárias lideradas por mulheres muitas vezes perdem financiamento e subsídios climáticos vitais porque seus projetos não são considerados grandes o suficiente. Mas, se as mulheres proprietárias de pequenos cultivos tivessem o mesmo acesso a crédito e ferramentas que os homens, poderiam cultivar 20 a 30% mais alimentos na mesma quantidade de terra – cortando dois bilhões de toneladas de emissões de poluentes até 2050.

Mulheres são minoria em todos os maiores comitês de tomadas de decisão das Nações Unidas sobre mudanças climáticas. Elas somam apenas 20% dos autores dos reports do International Panel on Climate Change (o principal órgão científico do mundo sobre mudanças climáticas) e menos de 30% da maioria dos principais órgãos de negociação das mudanças climáticas nacionais e globais.

Precisamos de justiça ambiental e climática

Assim como homens tentando legislar sobre corpos femininos não faz o menor sentido, homens legislando, pesquisando e propondo soluções para os problemas ambientais sozinhos – e com toda a verba – quando são as mulheres quem estão na linha de frente dessa batalha também não faz. Isso porque não apenas as mulheres são às mais inclinadas às questões socioambientais, como são as mulheres (ao lado de crianças, pessoas não-brancas e mais pobres) que sofrem desproporcionalmente com as mudanças climáticas e tragédias ambientais:

Desastres naturais são mais propensos a matar mulheres do que homens, principalmente onde mulheres são as mais pobres. Além disso, 80% de todos os refugiados por problemas climáticos são mulheres.

As mulheres normalmente enfrentam “maiores riscos e maiores encargos” com os impactos das mudanças climáticas, principalmente porque a maioria das pessoas pobres do mundo são mulheres e as pessoas pobres são mais propensas a serem vítimas das mudanças climáticas e também não têm como escapar dos efeitos de seu ambiente hostil.

Eu entendi que justiça climática é a saída do modo de vida capitalista e paternalista que nos colocou nessa confusão das mudanças climáticas.

Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda

Um relatório das Nações Unidas de 2010 revelou que, em 63% das casas da África Subsaariana rural, são as mulheres que recolhem e transportam a água da família. Em apenas 11% dos domicílios, esse trabalho é feito por homens. São elas que precisam andar mais sob condições extremas para conseguir água limpa.

A discriminação nos sistemas jurídicos também torna mais difícil para as mulheres se recuperar dos efeitos das mudanças climáticas. De acordo com o Banco Mundial, 155 das 173 economias têm pelo menos uma diferença legal entre homens e mulheres que pode reduzir significativamente as oportunidades econômicas das mulheres.

Em 2001, o Brasil reconhecendo a injustiça ambiental como um problema que afeta desproporcionalmente as pessoas mais pobres, criou a Rede Brasileira de Justiça Ambiental. Em seu manifesto de lançamento, há uma explicação resumida sobre como a injustiça ambiental acontece no país.

Não à toa que carregamos a bandeira “destrua o patriarcado, salve o planeta”

O que esse monte de dados nos provam é que:

• a cultura patriarcal (com sua masculinidade tóxica) é um problema social e ambiental.
• a destruição climática e ambiental é uma violência de gênero, raça e classe.
• a única rota de saída para fora dessa bagunça é garantindo protagonismo de mulheres, pessoas pobres e não brancas.
• a luta anti-opressão precisa ser contra a mentalidade responsávle por fundamentar todas as opressões: a de que alguns seres valem mais que outros.

Então, como essa autora aqui bem lembrou, longe de patologizar ou dizer que o problema é um homem em específico, e que todas as mulheres têm boas relações com o planeta, essa discussão é para ampliação do debate e para reconhecer a conexão dos fatos.

Há uma série de questões que ainda precisam ser esclarecidas sobre o movimento feminista e sobre o movimento pelos Direitos da Natureza – principalmente porque ambos tendem a se amplificar quando há esvaziamento político e, quando isso acontece, grande parte das reflexões necessárias para o avanço são deixadas de lado. Uma delas é a importância de enxergar as dinâmicas sociais e políticas responsáveis por levar à opressão das mulheres, Natureza e todos os seres, humanos ou não, cujos corpos “valem menos”.

•••

Esse artigo foi inspirado nesse texto aqui. Descubra mais em Do The Green Thing. Leia a série completa sobre ecofeminismo por aqui. Descubra mais sobre justiça climática e ambiental e as relações com justiça de gênero aqui, aquiaqui.
* * *

Jornalismo ecofeminista a favor da justiça socioambiental e climática

Para continuar fazendo nosso trabalho de forma independente e sem amarras, precisamos do apoio financeiro da nossa comunidade. Se junte a esse movimento de transformação.