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Frankenstein e o Silenciamento das Feministas-Vegetarianas

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Atualizada em:
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  • Marina Colerato
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Cinthia Santana

3 min. tempo de leitura

Qualquer um que já leu a ficção ou alguma crítica a Frankenstein (1818), a famosa publicação de Mary Wollstonecraft Shelley, sabe do seu teor feminista. Mas o que muitos não sabem é sobre a tremenda dose de silenciamento da palavra feminista-vegetariana (também conhecida como ecoanimalismo feminista ou ecofeminismo animalista) promovida na história de Shelley.

Uma simples análise é capaz de mostrar como as feministas que expressaram sua insatisfação com o sistema dominante através do vegetarianismo vêm sendo silenciadas e seus discursos sofrendo distorções históricas desde o surgimento do ativismo feminista-vegetariano lá no século XVIII.

Desde 1800, feministas-vegetarianas são silenciadas dentro do próprio movimento feminista e fora dele. Junto com diversas outras questões que abordaremos em outros textos, o silenciamento e a distorção histórica do feminismo-vegetariano são responsáveis por fazer muitas pessoas, inclusive as próprias feministas, terem dificuldade em enxergar a relação da opressão feminina com a opressão dos outros seres sencientes.

Não podemos ignorar importantes nomes ecofeministas e femistas-vegetarianos, como Carol J. Adams, Karen Warren, Marjorie Spiegel e Charlene Spretnak, ganhando cada vez mais voz mundo afora. Tem muita ativista falando sobre isso sim, e há muito tempo. Quer os outros queiram, quer não. Como disse a própria Adams, “qualquer atividade que se oponha ao costume predominante exige inovação, persistência e motivação”. Mas continua não sendo fácil para essas mulheres garantirem seu espaço e propagar suas ideias.

Qualquer atividade que se oponha ao costume predominante exige inovação, persistência e motivação.

Carol J. Adams

Entretanto, olhando para o todo, notamos outros exemplos de silenciamento como a resistência do feminismo branco em perceber as diferentes necessidades e pautas do feminismo negro 1Why intersectionality can’t wait” – Kimberlé Crenshaw (The Washington Post, 2015) , por exemplo, expondo a carência de um discurso interseccional capaz de abranger todas as realidades de diferentes mulheres. Dessa maneira, entendemos a falta de interseccionalidade de maneira integral e podemos ter calma e cuidado para analisar as fragilidades de qualquer movimento social. Afinal, movimentos sociais são formados por pessoas com as mais diversas vivências.

Um olhar atento sobre o silenciamento das feministas-vegetarianas e a distorção história de suas palavras

Feministas importantes no campo teórico e ativista são reconhecidas por, quase sempre, lutarem contra o sistema dominante através também de suas ações pessoais e em sua vida cotidiana, seja negando o casamento, a heterossexualidade, a monogamia e a maternidade. Audre Lorde, Judith Butler e Simone De Bevouir são bons exemplos disso. Qual seria então a dificuldade dessas mulheres em se libertarem da chamada política sexual da carne – responsável por impactar de maneira impiedosa o meio ambiente, e, consequentemente, a vida de outras mulheres?

O grande problema e uma das possíveis respostas para estagnação da palavra feminista-vegetariana talvez resista no campo da distorção histórica dos escritos feministas-vegetarianos. Se levarmos em consideração que grande parte do discurso feminista atual é centrado nos textos de feministas que pouco tratam da relação da dominância masculina e o carnivorismo, fica mais fácil compreender a falta de uma análise mais atenta (e a continuidade) ao discurso feminista-vegetariano iniciado no século XVIII 2Edith Ward – Shafts.

São poucas as feministas contemporâneas que se dedicam a entender e analisar os escritos feministas do século XVIII e XIV, quando o ativismo feminista-vegetariano começou a ser difundido e pautado. Mesmo se considerarmos que até a primeira metade do século XX ainda é possível notar um grande número de textos feministas, vegetarianos e pacifistas, logo vemos como o discurso vegetariano tende a ser, ao invés de analisado, ignorado, quando muito refutado.

Sendo assim, a distorção histórica prevalece e a atividade feminista-vegetariana permanece fragilizada. Carol J. Adams chamou atenção sobre isso em sua publicação emblemática “A Política Sexual Da Carne“. A autora destaca a falta de atenção dos historiadores para com o vegetarianismo como forma de luta contra a opressão masculina de muitas autoras feministas importantes. Ela relata, inclusive, como publicações importantes como The History Of Woman Suffrage omite os embates frequentes entre as sufragistas vegetarianas e as sufragistas onívoras nos EUA.

Adams também chama atenção para toda a crítica literária feita ao romance “Frankenstein ou o Moderno Prometeu”, de Mary Wollstonecraft Shelley, filha da feminista, pedagoga e escritora Marry Wollstonecraft – responsável por escrever “Reivindicação dos direitos da mulher”, no século XVIII, considerado como um dos documentos fundadores do feminismo.

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É notável aos críticos que Frankenstein carrega em si uma boa dose de feminismo (provavelmente um reflexo da influência da mãe), principalmente por Shelley usar a Criatura como meio para expressar sua revolta por ser a fêmea excluída das conversas de seu marido, o poeta Percy Shelley, com Lord Byron. Mas, por outro lado, ignoram a realidade vegetariana da autora e como ela a expressa de forma complexa através dos hábitos alimentares de sua Criatura 3Frankstein, Shelley, pág 42, tornando Fransktein um romance que, apesar de promover a palavra feminista-vegetariana, é reconhecido apenas por promover o feminismo. Como a autora questiona em A Política Sexual Da Carne 4A Política Sexual da Carne – O monstro vegetariano de Frankstein, pág 165.:

“Para um trabalho que recebeu uma quantidade incomum de atenção da crítica nos últimos trinta anos, tendo quase todos os seus aspectos examinados cuidadosamente, é notável que o vegetarianismo da Criatura tenha sido deixado de fora da esfera dos comentários”.

Outro exemplo é como o vegetarianismo de feministas importantes parecem repousar, convenientemente, no limbo. A antologia poética “We Are All Lesbians” conta com um dos poemas mais emblemáticos escrito pela feminista e sufragista americana Frances Willard (1839 – 1898). Eat Rice, Have Faith In Woman é um poema responsável por, assim como a obra de Mary Shelley, promover a palavra feminista-vegetariana, mas cujo teor é frequentemente fragmentado e o vegetarianismo ignorado.

Em suma, “o ativismo das vegetarianas e seus escritos foram absorvidos no cânone feminista literário e histórico sem se notar que elas estão dizendo e fazendo algo diferente quando se trata de consumo de carne. […] Claramente, tudo o que o vegetarianismo representou para as mulheres e como estas reagiram a ele exigem um exame rigoroso” 5A Política Sexual da Carne – Por uma teoria crítica feminista-vegetariana, pág 265..

Esse é, de fato, um resumo simplista da análise de Adams (ela conta com diversos outros exemplos como esses), porém suficiente para elucidar como a ação feminista-vegetariana vem sendo colocada de lado e silenciada, prejudicando seu alcance e fragilizando suas ações. Quando falamos sobre isso, quando refletimos e pesquisamos sobre as ideias dessas mulheres, garantimos a evolução de suas teorias e a expansão de seus discursos libertadores para muito além de nós.

coma arroz, tenha fé nas mulheres
o que eu não sei agora
Eu ainda posso aprender
devagar devagar
se eu aprender eu posso ensinar aos outros
se os outros aprenderem primeiro
Eu devo acreditar
eles vão voltar e me ensinar

Frances Willard
* A palavra "vegetariana" nesse texto é usada para uma alimentação livre de qualquer produto de origem animal (carne, ovos, lácteos, etc).

Ecofeminismo: Mulheres e Natureza é um série de artigos que busca discutir a importância da conexão das mulheres com os seres não-humanos e o meio-ambiente. A série tem como objetivo abordar as questões éticas e morais, além das questões culturais, sociais e econômicas relacionadas ao feminismo, veganismo e ecologia. Veja todos os artigos da série aqui.
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