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Por Que o Brasil é Um dos Piores Países do Mundo Para Se Nascer Mulher

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  • Marina Colerato
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A ONG Save The Children aproveitou o Dia Internacional Das Meninas (11/10) para divulgar o relatório Every Last Girl que lista os melhores e os piores países do mundo para se nascer menina. Para muitas pessoas, foi surpreendente saber que, apesar de ser um país de classe média, o Brasil perde para países como Iraque, Síria e Índia, onde o casamento infantil é permitido em algumas regiões e onde há altos índices de violência sexual.

No relatório, a ONG listou 144 países. No topo da lista, como melhor lugar do mundo para se nascer menina, aparece a Suécia. Itália fica em 10ª posição enquanto os EUA em 32ª. O Brasil aparece em 102ª e o Níger, país da África Ocidental, em último da lista ficando com a posição 144ª. Atrás de todos os países da América do Sul, o Brasil se torna o pior país da região para uma garota.

Para fazer o ranking, a ONG analisou as estatísticas de casamento infantil, gravidez precoce, mortalidade na gestação, participação política e acesso à educação secundária. Apesar de aparecer mal em todos os quesitos, foram as altas taxas de casamento infantil e a baixíssima participação feminina na política que chamam a atenção.

Casamento Infantil

Não é de hoje que sabemos que o casamento infantil é um problema sério no país e que o assunto não vem ganhando a devida atenção. O Brasil é o 4ª país em casamento infantil e as esposas de 10 a 14 anos somam 65.709 enquanto as de 15 a 17 anos chegam a 488.381. No começo desse ano, a reportagem “Noivas Meninas” da revista Claudia ascendeu, novamente, a luz sobre o assunto. A jornalista Patrícia Zaidan percorreu o Brasil e foi conhecer meninas casadas, muitas vezes mães, ouvindo suas histórias e dando rostos aos números.

Como mostra a reportagem de Zaiden, o casamento infantil é multifatorial, mas está bastante relacionado à gravidez precoce, falta de estrutura socioeconômica e uma rota de fulga para longe da casa dos pais – onde normalmente há pobreza, violência e excesso de controle. Outro problema é que o casamento e gravidez precoce parece ser um ciclo que se retroalimenta.

“Filhas de mulheres que engravidaram muito jovens não assimilam outro projeto que não seja casar”.

Ida Lopes Witiuk

“Filhas de mulheres que engravidaram muito jovens não assimilam outro projeto que não seja casar […] A escola, na periferia, não mostra uma saída possível e o estudo não representa um valor.” A conclusão: “Está oficializada a violência contra as meninas no casamento, com o consentimento dos pais e do Estado”, disse à reportagem lda Lopes Witiuk, doutora em serviço social e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, que orienta alunos que atendem na Maternidade Alto Maracanã, em Colombo, na região metropolitana de Curitiba, onde 40% das parturientes são menores.

O que chama a atenção é que, na maioria dos casos, os homens (esposos) são muito mais velhos do que as meninas. Segundo a pesquisa do Instituto Promundo realizada em 2015, a diferença média de idade é de 9 anos, mas há muitas meninas de 12 ou 14 anos casadas com homens de 50. Por meio de entrevistas com 145 homens entre 24 anos e 60 anos, os maridos alegaram que a escolha se deve porque elas [as crianças] são mais bonitas e fazem com que ele se pareça mais jovem. Eles também querem ter alguém para “ensinar as coisas” ou cuidar, além de achar que as mais jovens são melhores para ter filhos.

Apesar do sexo com menores de 14 anos, mesmo consentido, ser crime previsto em lei e uma união só pode ser oficializada a partir dos 18, com exceção aberta pelo Código Civil para as grávidas de 16 em diante, com autorização dos pais, não há nenhum controle ou punição.

Participação na política

Nas últimas eleições municipais, o Tribunal Superior Eleitoral lançou uma pesquisa que colocava em foco a falta de participação feminina na política. Dos 448.771 candidatos apenas 137.783 (30,702%) eram mulheres. A falta de interesse dos partidos políticos é um dos grandes impeditivos para o avanço da participação feminina na política nacional segundo a cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, diretora da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) e professora da Universidade Federal de São Carlos em entrevista à Agência Brasil.

Segundo ela, em geral, as mulheres que se candidatam a algum cargo político vêm de movimentos sociais, e são, principalmente, “mulheres mais à esquerda”. Elas têm um nível de desenvolvimento maior para ter uma base eleitoral, enquanto muitos partidos de direita estão mais relacionados com as famílias tradicionais, os chamados “clãs políticos”, que acabam ajudando em termos de recursos para a campanha.

“Espaços de tomadas de decisão precisam ser compostos por pessoas de diferentes perspectivas sociais”.

Luciana Ramos

Essa falta de representação resulta na ausência de políticas públicas para as mulheres e cria ainda mais barreiras para o incentivo a ações de igualdade de gênero como o aumento da licença paternidade, o fomento à construção de creches, a legalização do aborto, entre outros.

Em entrevista à Carta Capital, Luciana Ramos, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Getulio Vargas (FGV), além de integrante da equipe do Índice de Confiança na Justiça (ICJ Brasil), explicou que espaços de tomadas de decisão precisam ser compostos por pessoas de diferentes perspectivas sociais. “Certamente uma maior presença feminina na política impactaria muito na formulação de políticas públicas – diferentes daquelas que são formuladas por homens”, ressalta ela.

UM DOS PIORES LUGARES PARA SER MULHER

As desvantagens de nascer mulher no Brasil, no entanto, não podem ser tidas como novidade. No ano passado, um relatório da ONU já tinha colocado o Brasil entre os 60 piores países do mundo para as mulheres. O Índice de Desenvolvimento de Gênero analisa números de caráter reprodutivo (natalidade na juventude, mortalidade de mães, etc), saúde, capacitação educacional e presença no mercado de trabalho.

No relatório, o único ponto positivo para o Brasil é a presença de mulheres no mercado de trabalho, entretanto, o país deixa a desejar nos quesitos de equidade salarial e racial, e liderança feminina. No Brasil, apenas 11,5% dos altos cargos das 50 maiores empresas do país são femininos, mesmo que nós representemos mais da metade em cursos superiores.

Quando entramos nas questões de violência sexual, os problemas ficam ainda mais gritantes. Recentemente a pesquisa responsável por mostrar que mais de um terço da população brasileira (33%) consideram que a vítima é culpada pelo estupro reflete a estagnação da sociedade brasileira perante à desigualdade de gênero.

Em entrevista à Agência Brasil, a representante da Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres Brasil, Nadine Gasman afirmou que “apontar que a mulher tem culpa em ser estuprada é uma constatação de que a sociedade brasileira tem avançado em muitos aspectos, mas segue machista, sexista e muito racista. A gente conhece as estatísticas de feminicídio. Tem aumentado mais a violência contra mulheres negras. É uma sociedade que ainda não acredita que mulheres e homens são iguais”.

“Apontar que a mulher tem culpa em ser estuprada é uma constatação de que a sociedade brasileira tem avançado em muitos aspectos, mas segue machista, sexista e muito racista”.

Nadine Gasman

No Brasil, um estupro acontece a cada 11 minutos e essa estatística ainda pode ser pior, pois não consegue medir os estupros não denunciados. O 9ª Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontou que o medo da culpa é um dos maiores impeditivos para um maior número de denúncias. “A dificuldade de reunir evidências materiais do não consentimento, bem como o risco de revitimização durante os procedimentos legais – humilhação, julgamento moral, procedimentos de coleta de provas que expõem o corpo violado da vítima a novas intervenções – são desafios específicos relacionados à violência sexual”.

Outra estatística alarmante para o país é que estamos em 5ª lugar no ranking de femicídio segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, a taxa de feminicídios é de 4,8 para 100 mil mulheres. Em 2015, o Mapa da Violência sobre homicídios entre o público feminino revelou que, de 2003 a 2013, o número de assassinatos de mulheres negras cresceu 54%, passando de 1.864 para 2.875.

Segundo informações da ONU Brasil, na mesma década, foi registrado um aumento de 190,9% na vitimização de negras, índice que resulta da relação entre as taxas de mortalidade branca e negra. Para o mesmo período, a quantidade anual de homicídios de mulheres brancas caiu 9,8%, saindo de 1.747 em 2003 para 1.576 em 2013. Do total de feminicídios registrados em 2013, 33,2% dos homicidas eram parceiros ou ex-parceiros das vítimas.

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