Eles são emitidos principalmente por meio do uso de combustíveis fósseis para produzir energia para residências e indústrias [e criação de animais para abate]. Eles capturam calor na atmosfera, representando uma série de efeitos desastrosos para o planeta, chamados pela comunidade científica de mudanças climáticas. Efeitos desastrosos como um maior número de eventos climáticos extremos (inundações, secas e furacões, por exemplo), derretimento das capotas polares causando diretamente aumento do nível do mar e mares menos salgados, além da destruição de habitats e extinção de espécies. Todos esses efeitos tornam desagradável – e, eventualmente, impossível – a vida dos seres humanos e outros organismos na Terra.
Mas até o ano passado, quando um estudo expôs os perigosos níveis de chumbo no abastecimento de água em Flint, Michigan, nunca considerei qualquer questão ambiental como uma questão de “justiça social”. Embora os níveis elevados de chumbo no abastecimento de água do rio Flint não causem diretamente o aquecimento do planeta, a maneira como o governo local de Flint manipulou a situação me fez pensar sobre os vencedores e perdedores neste sistema, onde o meio ambiente é apenas valorizado em termos de dinheiro. Isso também me fez questionar se a situação teria sido tratada de forma diferente se Flint não fosse majoritariamente habitada por residentes de baixa renda e negros.
A atividade humana dentro de uma sociedade capitalista não tem consciência ecológica. Governos e grandes corporações colocam a Terra em escanteio a fim de reduzir os custos e aumentar os lucros. Essa mentalidade preserva a desigualdade, prioriza ganhos a curto prazo sobre as consequências das mudanças climáticas e causa sofrimento a humanos e não-humanos.
O que é ainda mais triste é eu não ter o privilégio de sempre fazer escolhas de “consumo ecológico” porque muitas vezes ele está fora do alcance da minha renda, e os produtos que posso pagar são geralmente acessíveis em detrimento do meio ambiente e da humanidade.
Eu já cheguei a pensar que se eu fizesse as ações individuais corretas, como reciclar corretamente, economizar eletricidade, usar o transporte público, apoiar esforços coletivos para conservar a vida selvagem, preservar espaços naturais e reduzir as emissões de carbono, seria suficiente. Mas existe um sistema inteiro que nos impede de cuidar adequadamente dos recifes de corais, dos nossos rios e de nós mesmos. Até que tratemos as mudanças climáticas como uma questão social, não uma questão para ambientalistas-apenas ou separada do trabalho de justiça social, não estaremos abordando o problema por completo.
A atividade humana dentro de uma sociedade capitalista não tem consciência ecológica. Governos e grandes corporações colocam a Terra em escanteio a fim de reduzir os custos e aumentar os lucros.
É fácil para muitos de nós considerar o nosso próprio trabalho ativista como mais importante, mais urgente e mais relevante para as preocupações da geração atual. Mas as mudanças climáticas não são apenas um problema distante ou separado que afetará apenas as gerações futuras (com quem nós também temos uma responsabilidade social com). Ao contrário, é uma questão cada vez mais grave dentro da nossa atual geração e contribui diretamente para a injustiça em praticamente todas as facetas da vida humana na Terra.
Aqui estão três razões pelas quais as mudanças climáticas precisam ser enquadradas como uma questão de justiça social ao projetar políticas para detê-las.
1. As mudanças climáticas são causadas pelas pessoas que são menos afetadas por elas.
Existem muitas maneiras de medir quais países são os mais responsáveis por contribuir para as mudanças climáticas, mas todos os estudos e pesquisas informam que os maiores contribuintes para as mudanças climáticas não são os mais vulneráveis às mudanças climáticas.
Embora os pequenos Estados insulares em desenvolvimento, como ilhas no Caribe, no Oceano Pacífico e nas costas da África e da Ásia, representam 0,003% das emissões de gases de efeito estufa, essas ilhas correm o risco de desaparecer completamente devido ao aumento do nível do mar, que já está causando o deslocamento de comunidades costeiras.
As emissões de dióxido de carbono também estão muitas vezes diretamente relacionadas ao crescimento econômico de um país. E estes países mais ricos geralmente estão melhor equipados com leis e infra-estrutura para lidar com emergências climáticas, surtos epidêmicos e perda de meios de subsistência relacionados ao clima que tornam os países mais pobres tão vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas.
Os países mais próximos do equador já experimentam altas temperaturas de calor mais próximas dos limiares biofísicos de nossos corpos, de modo que os aumentos incrementais de temperatura são muito mais perigosos. O calor também aumenta as possibilidades de transmissão e incidência de doenças transmitidas pelo ar e solo nos trópicos – gerando custos de saúde impensáveis, já que a maioria das pessoas mais pobres do mundo não tem cobertura de seguro de saúde ou acesso a produtos e serviços financeiros.
As mudanças climáticas também foram correlacionadas com o aumento da violência e dos conflitos, especialmente em países que são étnicamente diversos. Em regiões que já são instáveis, as ondas de calor e as secas resultantes das mudanças climáticas ameaçam o fornecimento de alimentos e outros recursos, exacerbando o conflito entre grupos de pessoas já tensas ou opostas. Os cientistas também mostraram uma relação entre aumento de temperatura e agressão em diversas situações.
Até que tratemos as mudanças climáticas como uma questão social, não uma questão para ambientalistas-apenas ou separada do trabalho de justiça social, não estaremos abordando o problema por completo.
Na verdade, em 21 de setembro, a administração Obama pediu às agências governamentais dos EUA que tratassem as mudanças climáticas como uma ameaça para a segurança nacional, reconhecendo que os efeitos das mudanças climáticas “podem prejudicar a capacidade de alguns países para fornecer as condições necessárias para a segurança humana. Todos esses efeitos podem levar à migração populacional dentro e entre fronteiras internacionais, estimular crises e amplificar ou acelerar conflitos em países ou regiões que já enfrentam instabilidade e fragilidade “.
No entanto, essas distribuições desiguais do impacto negativo das mudanças climáticas não são muito visíveis para os cidadãos nos Estados Unidos e em outros países industrializados que sofrem pouco impacto das mudanças nos padrões climáticos. Além disso, a desigualdade de riqueza e a pobreza tornam difícil dizer não às indústrias em expansão que liberam tanto carbono na atmosfera.
Se queremos lutar contra a injustiça, devemos reconhecer em quais níveis ela opera. Devemos estar cientes de como nossas lutas contra a opressão estão interligadas e a maneira complicada com que várias formas de discriminação interagem nos sistemas sociais.
As mudanças climáticas não são apenas injustas para seres humanos e não-humanos que não fizeram nada para causá-las, mas são também profundamente injustas a nível nacional em países onde os cidadãos têm de lidar com as conseqüências mais agudas das mudanças climáticas enquanto não recebem nada dos lucros responsáveis por causá-las – e como nós vamos ver, as mudanças climáticas são profundamente injustas dentro de comunidades já oprimidas.
2. As mudanças climáticas causam sofrimentos que afetam desproporcionalmente as pessoas com menos poder.
Isto é equivalente àqueles que são economicamente desfavorecidos ou discriminados por causa de sua raça, gênero, classe e outras identidades afetando assim sua capacidade e oportunidade de gerar valor econômico. As pessoas com menos capacidade ou menos recursos financeiros para se mudar ou proteger a si próprio e seus pertences não conseguem se adaptar tão rapidamente quanto outras em situações de sofrimento climático. Esses grupos, como mulheres e crianças, são as populações mais vulneráveis às mudanças climáticas. Mulheres em todo o mundo são muitas vezes as primeiras a serem afetadas pelas mudanças climáticas e pela poluição ambiental.
No mundo em desenvolvimento, a maioria das mulheres trabalha frequentemente na agricultura. Quando as secas destroem as plantações, elas perdem seus meios de subsistência e suas colheitas. Além disso, as famílias pobres são mais sensíveis ao aumento dos preços dos alimentos quando estes ficam escassos, e as mulheres e as meninas muitas vezes desistem da sua parte primeiro.
Sem dúvidas, as crianças são as menos responsáveis nesse cenário, mas as mais afetadas. Elas geralmente não têm controle sobre onde vivem, mas as conseqüências de viver em ambientes poluídos e perigosos para a saúde têm os efeitos mais permanentes e duradouros sobre elas, levando a uma geração futura de indivíduos que já começam com uma desvantagem extra em comparação aqueles que não foram expostos a toxinas enquanto crianças.
A distribuição dos ganhos e os encargos da indústria que contribuem para a mudança climática é desigual – não apenas entre as nações, mas também entre geografias e populações nos Estados Unidos e no mundo. Robert D. Bullard, em grande parte considerado uma figura fundadora do movimento de justiça ambiental na década de 1970, depois de descobrir a concentração de lixo tóxico de Houston e aterros em comunidades predominantemente negras, escreve: “Quando restringimos os limites dos ‘problemas ambientais’ para incluir apenas impactos relacionados ao ar, à água, à terra, tendemos a ignorar impactos críticos nos sistemas socioculturais e culturais”.
Como a justiça social e o ambientalismo nem sempre se alinham em seus objetivos, as comunidades de baixa renda geralmente enfrentam a decisão de escolher o desenvolvimento industrial e os empregos em detrimento à própria saúde, um trade-off que acaba arruinando nefasticamente o potencial de prosperidade da comunidade no longo prazo à medida que a atratividade do bairro se degrada e os valores das propriedades diminuem.
Esse flagrante desrespeito pelas vidas humanas é alimentado por uma mentalidade capitalista orientada para o crescimento que coloca lucros e extração de recursos sobre pessoas e nosso planeta. Na verdade, as empresas têm pouco incentivo para fazer de outra forma e podem fugir com suas ações porque comunidades inteiras dependem de uma determinada empresa para geração de emprego. As empresas multinacionais também podem contribuir para a desigualdade, movendo suas operações para países com níveis mais baixos de regulação e continuando a produção em níveis mais baixos de segurança – em detrimento da população local.
3. Tentativas de moderar as mudanças climáticas contribuem para a discriminação.
As mudanças climáticas têm camadas de impacto a nível individual, comunitário, nacional e global ao longo das gerações. É um problema sistêmico, então as soluções devem levar em conta a complexidade e os diversos atores e atrizes afetados.
No entanto, as soluções políticas que combatem os resíduos tóxicos, a poluição do ar, as emissões de carbono e outros riscos ambientais não levam em consideração os seus efeitos nas comunidades com menos poder político. Isso ocorre porque o ambientalismo como um movimento foi criticado por ser elitista de maneiras que tornam suas abordagens políticas incompatíveis com os esforços para a justiça social.
Os sociólogos familiarizados com o movimento ambientalista sugerem que o elitismo é composicional, o que significa que ele começa com os tipos de pessoas com maior probabilidade de participar. Muitas pessoas que pressionam por políticas para combater as mudanças climáticas são pessoas com educação universitária, renda mais elevada e pessoas privilegiadas que criam políticas que se beneficiam e que passam os custos para os não-ambientalistas.
A nível global, os países com maior poder de articulação em governanças como as Nações Unidas, que elaboram tratados multinacionais para reduzir o impacto humano sobre as mudanças climáticas, são frequentemente os países desenvolvidos que mais perdem economicamente com a redução das emissões de carbono. Então, quando os tratados são elaborados as necessidades das nações mais poderosas têm maior peso e não priorizam as necessidades urgentes das nações em desenvolvimento ou as ilhas mais afetadas pelas mudanças climáticas.
Seja intencional ou não, o impacto é elitista quando os efeitos da política ambiental e das reformas distribuem sistematicamente os custos das mudanças climáticas e da poluição ambiental para os menos privilegiados ou são executados inconsistentemente em todas as comunidades. Se todas as partes afetadas pelas mudanças climáticas não tiverem poder de voz no debate, as soluções não serão plenamente distribuídas perante todas as partes envolvidas.
Mulheres em todo o mundo são muitas vezes as primeiras a serem afetadas pelas mudanças climáticas e pela poluição ambiental.
Sendo assim, as mudanças climáticas exigem nossa atenção imediata. Se não incorporarmos a pauta no nosso trabalho de justiça social, não haverá sociedade para a qual lutarmos daqui vinte e cinco anos.
Embora saibamos as consequências devastadoras das mudanças climáticas, a escala dificulta a compreensão dos muitos níveis nos quais elas são capazes de nos afetar negativamente – assim como os efeitos de um legado de racismo são tão insidiosos, é difícil apontar separadamente como ele afeta as experiências de pessoas não-brancas.
Se dissecarmos as causas das mudanças climáticas, seus efeitos e as soluções propostas para entender as diversas formas que cada uma dessas coisas contribuem para a injustiça social, nós podemos servir melhor nosso planeta – e a humanidade ao mesmo tempo.
Texto escrito por Jessica Xiao e publicado originalmente no Everyday Feminism. Traduzido com autorização para o Modefica. Você pode acompanhar Jessica pelo @jexxicuh e Facebook.