Perda da Biodiversidade: Em 50 anos, Fauna da América Latina e Caribe Encolheram 94%

Um novo relatório do WWF trouxe dados surpreendentes sobre a perda da biodiversidade no mundo. A 14ª edição do relatório Planeta Vivo analisou 32 mil populações de 5.230 espécies de todo o planeta – o maior conjunto de dados até agora, com uma forte contribuição da Universidade de São Paulo e do WWF-Brasil. Das 838 novas espécies adicionadas, 575 são do Brasil. A análise aponta uma queda média de 69% das populações de animais selvagens no mundo nas últimas 4 décadas, sendo as regiões tropicais as mais afetadas, com valor de até 94%. Entre os principais fatores estão: degradação e perda de habitat, exploração, introdução de espécies invasoras, poluição, mudanças climáticas e doenças.

A humanidade tem enfrentado duas crises: uma do clima e outra da biodiversidade, áreas que não se separam. Segundo o relatório, os impactos em cascata da crise climática já estão afetando o mundo natural, como a diminuição da resiliência de plantas e conectividade ecológica, da pluviosidade e o aumento de incêndios. Nas regiões tropicais as populações de vertebrados monitorados estão despencando em um ritmo maior: as populações de água doce, em especial, tiveram um declínio de 83%, o maior dos grupos avaliados. 

As perdas de habitat e barreiras às rotas de migração são responsáveis por cerca de metade das ameaças às espécies de peixes migratórios monitorados. Em especial, o boto amazônico (Inia geoffrensis) se destacou como uma das espécies que mais diminuíram nas últimas décadas. Estes animais sofrem da contaminação por mercúrio, pela captura não intencional em redes, com ataques em represália pela danificação de equipamentos de pesca e pela captura para o uso como isca na pesca da Piracatinga. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, na região do médio Solimões, Amazonas, registrou uma uma queda de 65%, entre 1994 e 2016, da população.

É importante notar que os valores em porcentagem não se referem ao número de animais individuais perdidos, nem ao número de populações perdidas, mas sim a mudança proporcional média no tamanho das populações animais monitoradas pelo menos em dois momentos, ao longo de 48 anos. 

Efeito espiral e perda de biodiversidade

Com o aquecimento do globo, a forma como os ecossistemas funcionam também se altera, movimentando processos ecológicos que naturalmente causam maior aquecimento. É o caso do aumento de ocorrências e intensidades de incêndios florestais, de surtos de insetos, turfeiras secando e permafrost das tundras descongelando. “Todos liberam mais CO₂ à medida que o material vegetal morto se decompõe ou é queimado. Isso está começando a transformar sistemas que historicamente têm sido sumidouros de carbono sólido em novas fontes de carbono”, salienta o estudo.

As florestas são grandes armazenadoras de carbono, mas não só isso, sua função é muito mais complexa para a manutenção da biodiversidade. Elas trocam mais carbono, água e energia com a atmosfera do que qualquer outro ecossistema terrestre. Além disso, armazenam mais carbono do que petróleo, gás e carvão juntos. 

Elas também estabilizam o clima por meio de processos biofísicos, limitando as temperaturas máximas diárias a determinados graus, reduzindo a intensidade e a duração do calor extremo e dos períodos secos e mantendo a sazonalidade das chuvas e impactando a resiliência de sistemas agrícolas e das comunidades locais.

O relatório exemplifica que a destruição das florestas tropicais na África Central ou na América do Sul poderia aumentar as temperaturas médias diurnas em 7 a 8º e diminuir a precipitação nessas regiões em cerca de 15%. Logo, a desestruturação desse complexo mantenedor do equilíbrio ambiental lega a uma espiral decrescente de disfunções ecológica: desde a desestruturação das cadeias alimentares até a perda de processos ecológicos, como fluxo de água doce ou polinização, podendo levar à extinção de diversas espécies. 

Ações imediatas futuras

Atualmente, se calcula que a Terra já aqueceu 1.2ºC dos 1.5ºC propostos pelo Acordo de Paris. O relatório aponta que um aquecimento de 1,5ºC resultará em uma perda de 70 a 90% dos corais de água quente, e um aquecimento de 2ºC resultará em uma perda de mais de 99%. Nenhuma das 20 Metas da Biodiversidade de Aichi para 2020 foram totalmente cumpridas, e, em alguns casos, a situação em 2020 foi pior que em 2010. Para não passar de 1,5ºC, é necessário que as atuais emissões sejam 50% até 2030 e que as emissões líquidas sejam zeradas até 2050. 

Os autores recomendam que os formuladores de políticas e o setor privado acelerem a transição econômica para que os recursos naturais sejam devidamente valorizados e a perda de biodiversidade freada. O Relatório Planeta Vivo também salienta que um futuro mais ambientalmente sustentável não será possível sem reconhecer e respeitar os direitos, governança e liderança de conservação dos Povos Indígenas e comunidades locais em todo o mundo. Em dezembro de 2022, líderes mundiais se reúnem em Montreal, Canadá, para a 15ª Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica (CBD COP15). 

Segundo Andrew Terry, diretor de Conservação e Política da ZSL (Sociedade Zoológica de Londres): “metade da economia global e bilhões de pessoas dependem diretamente da natureza. Prevenir mais perda de biodiversidade e restaurar ecossistemas vitais devem estar no topo das agendas globais para enfrentar as crescentes crises climáticas, ambientais e de saúde pública”.