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Em Nova Campanha, Melissa Volta a Pautar Sustentabilidade

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  • Marina Colerato
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Em 2017, a Melissa começou a abrir uma conversa sobre questões de sustentabilidade com seu público.

A marca, que faz parte do portfólio do grupo Grendene, fez uma campanha para anunciar que os sapatos da Melissa tinham se tornado livres de ingredientes de origem animal 1É importante mencionar, porém, que a família Grendene também está relacionada com a pecuária por meio da Nelore Grende.. No ensejo, a empresa também aproveitou para falar sobre o potencial de reciclabilidade do PVC (policloreto de polivinila), o material base para produção dos produtos da marca. Porém, do plástico à sustentabilidade, havia um longo caminho para a Melissa percorrer.

Agora em 2019, a Melissa reaparece no debate com uma ação responsável por esvaziar as mais de 300 lojas da marca, bem como as Galerias em São Paulo, Londres e Nova York. O início do que a Melissa promete ser uma conversa continuada sobre sustentabilidade aconteceu dia 15/10, Dia do Consumo Consciente. Além das lojas vazias com vitrines estampadas com a frase: “Pause. Por uma jornada sempre mais sustentável”, serão disponibilizados pontos de coleta para quem quiser descartar os pares que estão sem condições de uso. Com os pares recolhidos no dia 15 de outubro, a marca irá, em 2020, produzir um dos clássicos da marca, a Melissa Flox. Quem não conseguiu descartar o sapato neste dia poderá fazer depois já que os pontos de coleta continuarão disponíveis.

No começo do mês, fui convidada para conhecer a fábrica piloto da Grendene em Farroupilha (RS) e entender melhor quais ações para sustentabilidade a empresa vem tomando desde 2011. Foi momento oportuno para retomar a conversa que iniciamos em 2017 com o Carlos André Carvalho, Gerente de Desenvolvimento Sustentável do grupo Grendene, e descobrir o que mudou de lá para cá.

Apesar do papo ter abrangido diversas questões,  inclusive o modelo de negócio da Grendene, responsável por colocar no mundo cerca de 173 milhões de pares de sapato em 2018 (números que incorporam todas as marcas do grupo), focarei aqui em dois assuntos que costumam gerar maiores questionamentos: logística reversa e uso de matéria prima.

Modefica: Em 2017 a Melissa começou uma conversa sobre sustentabilidade. Agora vocês voltam a pautar abertamente o tema. De lá pra cá, o que mudou? 

Carlos André Carvalho: Tivemos um grande aprendizado quando falamos de logística reversa. A gente fez um projeto piloto e entendeu qual o impacto econômico e ambiental de implementar o recolhimento dos sapatos descartados num país da dimensão do Brasil. Fizemos um estudo de ciclo de vida para entender se esse retorno teria de fato menos impacto ambiental direto na nossa produção.

Sempre falamos que nosso calçado é totalmente reciclável então é hora de fazer na prática. Ele não precisa voltar necessariamente para a Melissa, mas é hora de entender as muitas possibilidades para ele. O certo é o material ficar próximo da coleta, ser reciclado próximo, mas precisaremos aprender na prática sobre como fazer isso. Queremos dar o melhor destino possível para os nossos calçados. Esse melhor destino não necessariamente é voltar para Melissa, mas mostrar que o PVC tem muitas possibilidades e pode virar uma infinidade de outros produtos e componentes.

Outra coisa é que nós tínhamos ações e programas de sustentabilidade desde 2011/2012, mas, atualmente, a gente tem uma política, que é mais abrangente, maior, com definições e metas claras e objetivas. Uma política que se relaciona com todas as áreas da empresa e foi construída de forma a contribuir para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Olhamos para as ODSs e entendemos em quais deles podíamos incidir para sermos protagonistas da mudança. Por meio da Universidade Grendene, por exemplo, queremos atuar sobre o ODS 4, que trata de educação de qualidade. É uma atuação focada, principalmente, nas regiões onde estão as fábricas da Melissa.

Mas quando você fala sobre o PVC poder virar outras coisas, isso não implicaria numa necessidade de continuar utilizando matéria prima virgem e extraindo petróleo para produzir sapatos? 

A ideia é que esse material coletado tenha sim uma contribuição para diminuir o uso do material virgem. Eu posso movimentar isso perto das fábricas, por exemplo, os sapatos recolhidos nas regiões próximas aos parque fabris serem utilizados para produção de novos sapatos. Para outras regiões é preciso ponderar, principalmente, o custo ambiental de transporte que gera as emissões diretas de CO2. Temos capacidade de reciclar um sapato da Melissa sem perder as propriedades originais e conseguimos produzir uma Melissa 100% reciclada de sapatos de pós-consumo, mas precisávamos também aprender a considerar as variáveis: não sabemos como será a adesão do público, quantos sapatos retornarão. Talvez em 2021 a gente já tenha uma ideia mais precisa do quanto [de sapatos] a gente conseguirá reinserir no ciclo.

Vivemos um momento de grande questionamento ao plástico. Ele que talvez seja uma marca importante do Antropoceno. A Melissa está olhando para novos materiais e tentando superar a era do petróleo?

Estou indo para a K-Fair, uma importante feira sobre plástico e borracha na Alemanha, onde temos contato com muitos materiais realmente inovadores. Nós estamos tentando usar cada vez mais produtos renováveis nos nossos calçados. A gente tem outra marca da Grendene, a Ipanema, certificada Biobased®. Os produtos da marca tem apenas 14% de petróleo. Essa escolha a gente também fez olhando para o ACV [análise de ciclo de vida], porque não adianta usar material um renovável que tenha, no ciclo de vida completo, um impacto maior que o plástico, e isso pode acontecer. Dessa forma, temos feitos todas as nossas escolhas e ações em se tratando de produto baseadas em dados e estudos.

Falando de novos materiais, deve aparecer muito produto que parece verde, mas não é num momento onde as pessoas estão cada vez mais rejeitando o plástico. Quais as perguntas que quem está nos lendo deve fazer para entender se um material é melhor que o outro de verdade? 

Qual o consumo de água no processo produtivo? Qual a emissão de CO2 por par? Qual a distância entre fornecedor e local de produção e venda? Quais os possibilidades de fins para esse produto? Qual a composição dele? Ele foi feito/desenhado para ser desmontado? É ir cada vez mais a fundo ao olhar para o ciclo de vida e entender os impactos.

Depois da entrevista, revisitei o Relatório da Administração da Grendene, majoritariamente destinado a acionistas e investidores, para entender se o posicionamento corporativo havia mudado. Em 2016, lia-se “acreditamos que o principal indicador de sustentabilidade de uma empresa é a geração de lucro e a solidez financeira. Este fator denota que os consumidores pagam pelos produtos da empresa mais do que custam os insumos extraídos da natureza para fabricar e distribuir estes produtos. Além disso, garante a continuidade da empresa e a geração de empregos bem como a satisfação das necessidades de milhares de clientes que compram e usam seus produtos”.

Hoje, o parágrafo inicial do item VI, que detalha a responsabilidade social e ambiental da corporação, diz: “a jornada do Desenvolvimento Sustentável na Grendene está relacionada a diversos aprendizados, e descobertas relacionadas a comportamentos e atitudes que impactam positiva ou negativamente alguns indicadores. Esta caminhada é desenvolvida com experimentações e análises aprofundadas sobre qual é o melhor caminho a ser seguido”.

É possível entender melhor sobre as ações para sustentabilidade da Grendene na página sobre sustentabilidade da empresa e conhecer de forma mais detalhada o posicionamento da Melissa sobre o tema no por aqui.

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