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Enquanto Governo Ignora Crise Climática, Consequências das Chuvas Aprofundam Injustiça Social

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  • Juliana Aguilera
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Victória Lobo

7 min. tempo de leitura

A temporada de chuvas de outubro a março pode ser, para muitos, um alívio frente às altas temperaturas impostas pela primavera e verão, mas, para outros, o período é motivo de apreensão e perdas das mais diversas. Os números de 2020 reforçam as tragédias anuais premeditadas: deslizamentos em Belo Horizonte, em janeiro, desalojaram mais de 38 mil pessoas; no mês seguinte, São Paulo registrou o fevereiro mais chuvoso desde 1983; em março, as chuvas que atingiram a Baixada Santista, no litoral paulista, e o estado do Rio de Janeiro, deixaram 26 mortos e mais de 5 mil desabrigados.

As autoridades reagem ora respondendo com os números de obras feitas para a contenção de enchentes, ora responsabilizando os moradores por jogarem lixo nas vias públicas. Entretanto, a questão das chuvas fortes e suas consequências segue sendo um problema corriqueiro, entra ano, sai ano. Frente às alterações do clima, podemos esperar chuvas e consequências ainda mais intensas. Fomos atrás de dados para entender a dedicação do poder público para solucionar – ou começar a mitigar – esses danos e como as mudanças climáticas participam – e aumentam – estas ocorrências.

Quando o noticiário anuncia as enxurradas, não é surpresa para ninguém ouvir os cenários que aparecem junto a elas: os deslizamentos de terra, congestionamentos, as quedas de árvore e de energia e danos na rede elétrica de trens – no caso de São Paulo. Às vezes, os danos são fatais, como o caso das chuvas de Belo Horizonte em janeiro, que causaram deslizamento de encostas e transbordamento de rios e córregos. Em cinco dias, foram 53 mortes. Os estragos causaram aos cofres municipal e estadual cerca de R$150 milhões.

A situação se repete de forma parecida em São Paulo, onde, no mês de fevereiro, a “Cidade da Garoa” virou “Cidade da Enxurrada” e bateu o recorde de acumulado de chuvas em 24 horas em 77 anos. Foram 132 pontos de alagamentos, congestionamento e perda de dia de trabalho para muitos trabalhadores que não dispõe da opção home office. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), em três horas de chuva, a cidade já havia atingido metade do esperado para o mês de fevereiro.

Em outubro, São Paulo veio a sofrer novamente com uma precipitação que “transformou o dia em noite”. Carros foram arrastados pela chuva, a Praça da Bandeira, na Sé, ficou completamente intransitável e foram registrados 18 km de lentidão na Marginal Tietê e 13 km no Centro. Ao fim do 2º dia, a cidade acumulava lentidão de 216 km (ou oitenta Avenidas Paulistas). Até às 18h55, o corpo de bombeiros já havia atendido 44 chamados por enchentes, 44 por queda de árvores e 4 por desabamentos. Os danos se estenderam até o hospital recém-inaugurado da Brasilândia, onde um dos muros desabou parcialmente.

Questionado frente ao caos, pelas situações perigosas e desumanas sofridas pelos moradores das cidades, o poder público costuma tratar a questão como um incidente impossível de prever, embora aconteça periodicamente. Em outubro, a Secretaria Municipal das Subprefeituras de São Paulo listou os serviços feitos na região como uma resposta ao cenário, entre eles: a conservação de galerias, microdrenagens, limpeza de córregos e piscinões. A gestão Covas pôs a culpa nas chuvas fortes pelo alagamento.

Já uma resposta marcada pelo nível de insensatez foi a do ex-prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, quando as fortes chuvas de março causaram cinco mortes e desalojaram 5 mil pessoas na capital e baixada fluminense. Apesar da cidade do Rio de Janeiro sofrer há décadas com problemas de drenagem (e existirem planos para contorná-los há mais de 40 anos), Crivella respondeu que “todas as encostas lá são perigosas, mas onde descem as águas, predominantemente chamado talvegues, as pessoas gostam de morar ali perto porque gastam menos tubo para colocar cocô e xixi e ficar livre daquilo”.

No entanto, a vereadora Teresa Bergher apontou que do início da gestão Crivella, em janeiro de 2017, até outubro de 2020, o governo municipal investiu apenas 38,9% do valor disponível para a prevenção de enchentes – dos R$ 2,6 bilhões disponíveis, a prefeitura utilizou apenas R$ 1 bilhão.

 

 

 

Os (não) investimentos da União

A tendência de baixo investimento segue nos outros níveis de poder e, infelizmente, essa tendência não é de hoje. Os valores no caixa do Fundo Nacional sobre Mudanças do Clima (FNMC), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, sofrem queda de, pelo menos, cinco anos – de acordo com dados do Siga Brasil. Segundo o BNDES, o FNMC tem como objetivo “assegurar recursos para apoio a projetos ou estudos e financiamento de empreendimentos que visem à mitigação da mudança do clima e à adaptação à mudança do clima e seus efeitos”.

Em 2015, os valores investidos foram de R$ 13,3 milhões, seguidos de R$ 9,7 milhões, em 2016; R$ 5,3 milhões, em 2017; R$ 3,4 milhões, em 2018; terríveis R$ 339,1 mil, em 2019 e R$ 2,5 milhões, até novembro de 2020. Apesar dos gastos, o fundo recebeu valores maiores para investimentos. Em 2019, por exemplo, foram disponibilizados R$ 8,3 milhões, ou seja, apenas 4% do valor total foi aproveitado. Já em 2020, o governo utilizou, até o momento, 39,6% da verba de R$ 6,3 milhões.

Já no Portal da Transparência da Controladoria Geral da República é possível levantar algumas (ou nenhuma) movimentações da União a respeito do tema, como, por exemplo: nenhum órgão investiu em mudanças do clima no estado de São Paulo, em 2019.

A nível federal, no mesmo ano, o Ministério do Meio Ambiente investiu, no programa orçamentário Mudança do Clima, R$ 33,4 milhões em Prevenção e Controle de Incêndios Florestais nas Áreas Federais Prioritárias. Esse valor corresponde a quase 97% do valor total investido. Demais ações orçamentárias, como “Iniciativas para Implementação e Monitoramento da Política Nacional sobre Mudanças do Clima e da Contribuição Nacional Determinada” e “Políticas e Estratégias de Prevenção e Controle do Desmatamento e de Manejo e recuperação Florestal no Âmbito da União, Estados e Municípios” receberam, respectivamente, R$ 532 mil e R$ 298 mil. Ainda relativo ao mesmo ano, o Ministério do Meio Ambiente representou 0,09% dos gastos públicos e teve disponível em seus cofres R$ 3,66 bilhões, dos quais utilizou R$ 2,18 bilhões (59%).

Ainda segundo o Portal da Transparência, é possível analisar onde o órgão fixou seus interesses e investimentos, tendo em vista que 2019 foi um ano tão prejudicial para os biomas brasileiros.

 

 

A maior cidade do Brasil segue no ritmo de refreamento de gastos com as mudanças climáticas, como se não tivesse, literalmente, embaixo de si, o problema constante com os rios que foram cobertos para construir São Paulo. O problema sazonal de enchentes na cidade não impediu a decisão de Bruno Covas de utilizar apenas 48% da verba para a prevenção das mesmas em 2019. O levantamento feito pelo SP2 apontou que dos R$ 973 milhões previstos no ano, apenas R$ 474 milhões foram utilizados. Dos recursos separados para obras em área de riscos geológico 1 regiões ocupadas e propensas a serem atingidas e danificadas por um evento geológico, como um deslizamento, acarretado de forma natural ou por ações humanas , apenas 35% do total foram utilizados.

E, enquanto os gastos com a prevenção a eventos climáticos seguem em curso descendente nas esferas políticas, o gasto dos estados com a reconstrução das cidades após tais eventos faz o percurso ascendente. No Siga Brasil, portal de transparência do Senado Federal, é possível encontrar dados sobre o Programa de Sustentação de Investimento e Programa Emergencial de Reconstrução de Municípios Afetados por Desastres Naturais, Leis nº 12.096, de 2009 e nº 12.409, de 2011. Para 2020, o planejado anual para tais despesas foi de R$ 1,3 bilhão, mas, até o final de outubro, a União já havia excedido o teto em R$ 300 milhões.

A matemática fica fácil: a crise climática intensifica eventos climáticos, como as chuvas, os tornando eventos climáticos extremos, como as enxurradas, que acarretam destruição e perdas diversas nos centros urbanos. Enquanto isso, o poder público tem diminuído, ao longo dos anos, os investimentos na contenção de tais eventos. Ao comparar os números, é visível um resultado catastrófico. Na parte II desta investigação sobre gastos do poder público com chuvas, enchentes e crise climática, centralizaremos no caso de São Paulo para compreender a dimensão do problema suas complexidades e possíveis saídas que, como sempre, só são verdadeiramente viáveis com a integração da população e a descentralização do poder.

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