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5 Razões Pelas Quais Você Deve Se Importar Com Justiça Ambiental Se Você Se Importa Com Mulheres

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Quando olhamos para o meio ambiente através de uma lente de justiça social, podemos reconhecer que ele se relaciona mais intensamente os grupos marginalizados - por exemplo, as mulheres.

Se você vive nos Estados Unidos, é fácil entender alguns assuntos como sendo uma questão feminista. Um bando de caras brancos e estranhos querendo controlar a saúde reprodutiva é claramente uma questão feminista. Republicanos banindo mulheres trans de usar o banheiro feminino, aparentemente porque eles têm fantasias estranhas com homens vestidos de mulher depois de ver muitas comédias sem graça dos anos 90, é obviamente uma questão feminista. Donal Trump se gabando de assediar mulheres? Também uma questão feminista.

No entanto, muitas vezes há uma omissão flagrante, mesmo no melhor espectro interseccional progressista das preocupações feministas: as questões climáticas. Agora, este artigo sobre justiça ambiental vai se concentrar em mulheres simplesmente porque é algo com que muitas feministas estão familiarizadas, embora o ambientalismo afete obviamente (e o feminismo seja sobre) diferentes tipos de pessoas.

Em um nível básico, muitas pessoas entendem o feminismo como um movimento para as mulheres. Infelizmente, isso muitas vezes significa que apenas as necessidades e desejos de mulheres cis brancas privilegiadas estão sendo abordadas. Mas o movimento precisa ser mais do que isso.

O feminismo é um movimento que leva em consideração várias intersecções de opressão na busca da libertação desses sistemas para todas as pessoas. E quando olhamos para o meio ambiente através de uma lente de justiça social, podemos reconhecer que ela afeta mais intensamente os grupos marginalizados – por exemplo, as mulheres. (Não tema: classe, raça e meio ambiente são outras interseções importantes que serão abordadas em próximos artigos!)

E neste artigo, quando dizemos “mulheres”, queremos dizer verdadeiramente todas as pessoas que se identificam como mulheres. Contudo, também reconhecemos como as estatísticas muitas vezes eliminam experiências trans e não-conformes de gênero. Infelizmente, não podemos saber como outras fontes definem “mulheres” ou “homens” quando usam os termos, e essas fontes muitas vezes ignoram identidades não-binárias, agêneros e não-conformes de gênero.

A mudança climática deve ser uma preocupação se você reivindica ser uma feminista porque as mulheres – um grupo marginalizado – estão na linha de frente das mudanças climáticas. Elas são as mais vulneráveis, as mais propensas a morrer, e elas também estão fazendo um monte de trabalho para mitigar as piores conseqüências das mudanças climáticas.

Então, se você se importa com as mulheres (e eu estou assumindo que, se você é uma feminista, você se importa), aqui estão cinco razões pelas quais você deve se preocupar com a justiça ambiental.
 

1. As mudanças climáticas afetam todas as outras questões

É ótimo que você esteja preocupada com a justiça reprodutiva e a igualdade de renda. Você deve estar! Essas são questões realmente importantes. No entanto, nenhuma dessas coisas importa se a Terra se transformar em destroços carbonizados. As mulheres, literalmente, não podem ter acesso a qualquer outra coisa boa se o nosso planeta for inabitável.

As mudanças climáticas afetam duramente as mulheres.

Durante o furacão Matthew, os hospitais da Florida abriram hotlines especiais para pessoas grávidas que necessitariam procurar abrigo durante a tempestade e, salvo algumas excessões, não seriam admitidas nos hospitais. À medida que o governador Rick Scott e o visivelmente nervoso apresentador da Fox News, Shepard Smith, gritavam por pessoas capazes de fugir do estado, as pessoas grávidas não tinham tanta sorte.

Mesmo os pacientes afortunados que foram admitidos no último minuto na universidade de Miami e no Jackson Memorial Medical Center foram solicitados a levarem um colchão e bastante água e alimento para quatro dias (agradecimentos?).

No Haiti, o Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) expressou profunda preocupação com o destino de mais de 8.400 pessoas grávidas (homens trans e não-binários podem engravidar, então esta não é apenas uma questão de senhoras cis).

“O furacão Matthew causou um duro golpe às instalações de saúde do Haiti, seja inundando esses centros ou soltando seus telhados e colocando-os fora de serviço”, disse o Dr. Babatunde Osotimehin, Diretor Executivo do UNFPA. “A nossa tarefa urgente é proteger a saúde e os direitos de mulheres e garotas e garantir que as suas necessidades básicas, muitas vezes ignoradas em situações humanitárias, sejam rapidamente satisfeitas. Vamos trabalhar para ajudar as mulheres a dar à luz e viver, apesar desta tragédia”.

A mudança climática é caos e destruição total.

O furacão Sandy, por exemplo, destruiu ou danificou cerca de 1,8 milhão de estruturas e casas, com uma perda econômica superior a US$ 65 bilhões. Dez mil pessoas perderam empregos turísticos. Se olharmos para trás ainda mais, para o furacão Katrina, a população de Nova Orleães chegou a apenas 72% do seu nível pré-tempestade oito anos após o desastre.

É preciso muito, muito tempo para as comunidades se recuperarem de tempestades graves – e, entretanto, há um vazio no qual as pessoas vivem minuto a minuto durante o processo de recuperação. E isso torna muito mais difícil lutar por mudanças sociais amplas (não impossível, mas muito difícil).

A mudança climática ameaça colocar as coisas boas – direitos de reprodução, igualdade de renda – no banho-maria indefinidamente.
 

2. As mudanças climáticas são um problema de raça e pobreza

Raça e pobreza também são questões feministas.

As senhoras brancas privilegiadas não ganharão a luta da igualdade de gênero sozinhas – e quão chato e triste (para não mencionar problemático) um mundo em que o feminismo é capaz de incluir somente mulheres brancas? E eu digo isto como uma mulher branca.

Pessoas não-brancas e pobres somam a maior parte da população mundial, e as mulheres não-brancas têm desempenhado papéis muito importantes nos movimentos sociais desde o início dos tempos. Simplificando: o feminismo não pode avançar sua agenda sem mulheres pobres e não-brancas no centro das discussões, então qualquer evento que as afete deve preocupar feministas em todos os lugares.

Além disso, você deve se preocupar com essas coisas de qualquer maneira se você é uma pessoa decente simplesmente porque é a coisa certa a fazer.

Embora seja inquestionavelmente trágico que vinte indivíduos tenham morrido nos Estados Unidos na esteira do furacão Matthew, esse número de mortos empalidece em comparação com o nível de devastação no Haiti, onde centenas de pessoas morreram.

E enquanto se tornou habitual em certos países, como a França, experimentar um derramamento de amor e apoio após algo como um trágico ataque terrorista, eventos como os do Haiti não recebem o mesmo tipo de solidariedade internacional.

Em partes, essa ausência de apoio e solidariedade pode ser porque em casos de desastres ambientais não há um “cara mau”, ao contrário de um ataque terrorista. Uma tempestade não é um terrorista, e um furacão não toma uma decisão consciente de matar pessoas, por isso é tentador ver o que está acontecendo no Haiti como má sorte. Desculpe, Haiti. Ninguém vai mudar a cor do seu avatar por você. Você é apenas um bando de infelizes presos no caminho de uma tempestade.

Mas a verdade, como sempre, é muito mais complicada.

Os Estados Unidos ocuparam o Haiti até 1934, então o Haiti nunca teve oportunidade de construir instituições – e foi esta ocupação que estabeleceu um precedente de pobreza. Então veio o terrível terremoto de 2010 que matou milhares de pessoas, seguido por uma epidemia de cólera.

O Haiti nunca foi capaz de recuperar-se completamente, nem de construir sua infra-estrutura, e toda a ajuda externa e doações foram dispensadas de formas altamente duvidosas. Essa doações raramente chegam às pessoas que mais precisam de alívio.

As vítimas no Haiti são todas as pessoas pobres e não-brancas. Além das centenas de pessoas mortas, cerca de 15.000 a 27.000 pessoas foram deslocadas com centenas de feridos e pelo menos 20.000 casas destruídas. Esses indivíduos, muitos deles mulheres, não têm meios para reconstruir suas casas – e não há dúvida de que os fatores de raça e pobreza são as razões pelas quais a devastação no Haiti não é a principal história em cada programa de notícias e a primeira pergunta em cada debate presidencial.

As pessoas pobres são invisíveis porque não têm acesso à mídia ou às redes sociais. É por isso que é tão importante para aqueles de nós que têm essas ferramentas falar sobre os efeitos horríveis da mudança climática.
 

3. As mulheres são as mais afetadas em desastres climáticos

Um estudo de 2007 da London School of Economics descobriu que os desastres naturais são mais propensos a matar mulheres do que homens, e que a disparidade é maior onde as mulheres são as mais pobres. Além disso, 80% de todos os refugiados por problemas climáticos são mulheres.

Na maioria dos casos, isto acontece porque elas ficam para proteger seus filhos ou não têm os meios para sair. Elas não podem acessar o transporte privado, não têm carro, ou não podem pagar por combustível. Literalmente, elas estão presas nas linhas de frente da mudança climática.

As Nações Unidas afirmam que as mulheres normalmente enfrentam “maiores riscos e maiores encargos” com os impactos das mudanças climáticas, principalmente porque a maioria das pessoas pobres do mundo são mulheres e as pessoas pobres são mais propensas a ser vítimas das mudanças climáticas e também não têm como escapar dos efeitos de seu ambiente hostil.

 

 

O documentário “Surviving the Storm: Women and Natural Disasters” conta a história de 4 mulheres atingidas pelo ciclone Sidir, um dos piores desastres naturais de Bangladesh. Ainda sem legendas para o português.

Além disso, as mulheres deixadas para trás estão fazendo alguns dos trabalhos mais difíceis, que só vão ficar mais pesados conforme a Terra se aquece.

Um relatório das Nações Unidas de 2010 revelou que, em 63% das casas da África Subsaariana rural, são as mulheres que recolhem e transportam a água da família. Em apenas 11% dos domicílios, esse trabalho é feito por homens. Transportar jarras de água através de um deserto em clima muito quente geralmente não é agradável, muito menos quando as temperaturas perigosamente disparam. Esta tarefa doméstica comum transformou-se em um empreendimento que ameaça a vida e que coloca, primeiramente, as mulheres em risco.

Temperaturas mais quentes também significam menos dias frios – necessários para matar os mosquitos. Daí a explosão do vírus Zika. E este novo ambiente quente significa que os mosquitos permanecem confortáveis à medida que viajam mais e mais distâncias – razão pela qual estamos vendo cada vez mais casos documentados do vírus nos Estados Unidos.

A discriminação nos sistemas jurídicos também torna mais difícil para as mulheres se recuperar dos efeitos das mudanças climáticas. De acordo com o Banco Mundial, 155 das 173 economias têm pelo menos uma diferença legal entre homens e mulheres que pode reduzir significativamente as oportunidades econômicas das mulheres.

Isto torna mais difícil para as mulheres ter acesso à terra ou financiar empresas, o que, por sua vez, dificulta a sua recuperação depois que a terra é destruída pela água ou a infra-estrutura local entra em colapso. E isso acontece somente se as mulheres tiverem a sorte de viver em um país onde possam fornecer participar das conversas de tomada de decisão! De acordo com um estudo de Ambiente e Índice de Gênero, para seis dos nove processos de tomada de decisão ambiental, as mulheres representam menos de um terço entre os tomadores de decisão.
 

4. As coisas só vão piorar

Os cientistas nos advertiram incansavelmente sobre o aumento do nível do mar e tempestades, e estamos começando a ver suas previsões se tornarem realidade. Em janeiro, o Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano, pela primeira vez alocou dólares de impostos federais para mover uma comunidade inteira que está lutando com os impactos das mudanças climática.s Os moradores da Ilha De Jean Charles em Louisiana estão literalmente afundando no mar.

O New York Times entrevistou três residentes – todas mulheres – sobre o êxodo. “Sim, esta é a terra do nosso avô”, disse Joann Bourg. “Mas ela está indo embora de uma maneira ou de outra”.

Nos próximos cinqüenta anos, os cientistas previram que Kiribati, uma remota república insular no Pacífico Central, desaparecerá por causa do aumento do nível do mar e os nativos do Alasca já começaram a fugir de sua terra natal devido aos efeitos de aquecimento da mudança climática.

Inundações, secas (perda de culturas e eventual fome), ondas de calor e tempestades vão piorar e as mulheres, as pessoas mais vulneráveis, ficarão para trás para lidar com as conseqüências.

Políticos que são rápidos em chamar atenção sobre a pauta de “proteger as mulheres” quando a agenda lhes convém (a invasão do Iraque, lutar contra ISIS, e assim por diante) demoram a mostrar a mesma preocupação quando uma ameaça global como a mudança climática ameaça matar milhões de mulheres.

Se os políticos fossem sérios sobre a proteção das mulheres, eles fariam da mudança climática sua principal causa.
 

5. As mulheres são muito boas em se organizar

A última razão pela qual você deve considerar a justiça ambiental uma questão feminista é porque você pode ajudar muito!

Em primeiro lugar, se você é uma mulher, é mais provável que saiba o que está acontecendo: as mulheres são mais propensas a acreditar na mudança climática e um estudo da União Européia de 2014 descobriu que as mulheres estão consistentemente mais preocupadas com as mudanças climáticas do que os homens, e mais dispostas a fazer sacrifícios para reduzir as emissões. Em resumo, as mulheres são incríveis – e muitas estão trabalhando incansavelmente para mitigar os efeitos das mudanças climáticas.

Imediatamente após a devastação do furacão Matthew, a ONU Mulheres mobilizou-se para obter alívio para os haitianos, coordenando com o governo haitiano e com grupos nacionais de mulheres para avaliar danos e garantir que mulheres e meninas se beneficiem igualmente de qualquer assistência.

Como disse a própria organização: “Em tempos de catástrofes naturais e conflitos, as mulheres e as crianças freqüentemente sofrem o peso da crise, sendo a última fuga porque priorizam a segurança de sua família e de seus filhos … As necessidades e vozes das mulheres muitas vezes permanecem inauditas em questões humanitárias emergenciais, mas isso inevitavelmente atrasa o processo de recuperação.”

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Mulheres indígenas, quilombolas e extrativistas realizam caminhada em Brasília denunciando aos países importadores de commodities produzidas pelo agronegócio no Brasil as violações e agressões promovidas por esse setor contra seus direitos, seus territórios e suas vidas // Foto: Reprodução

Mas não é como se as mulheres estivessem sentadas à espera da morte. Na verdade, são as mulheres que estão se organizando mais para ajudar outras mulheres a lidar com as conseqüências do nosso clima em mudança.

Winnie Byanyimaf é engenheira aeronáutica ugandense que entrou para a política e é a diretora executiva da Oxfam Internacional e é uma autoridade mundial na dimensão de gênero das mudanças climáticas.

Nas conversações sobre o clima de Varsóvia em 2013, ela liderou uma manifestação de massas em protesto contra os grandes poluidores que participaram do evento. Em particular, Byanyima discordou da ideia de “carvão limpo”, um oxímoro que é, de fato, uma mentira. Não existe tal coisa como carvão limpo.

Christiana Figueres é outra mulher poderosa na luta contra as alterações climáticas. Ela dirige a United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC) e desempenha um papel em quase todas as principais conversas globais em relação ao clima. Figueres é talvez mais conhecida pelo que foi descrito como seu otimismo implacável. Seu mantra: “Impossível não é um fato – é uma atitude.”

Depois, há as inúmeras mulheres que participam em protestos de ação direta em todo o mundo, fora das conversas sobre mudança climática, muito distantes dos corredores de poder. Em particular, mulheres nativas têm lutado contra a construção do Dakota Access Pipeline que ameaça envenenar seu ambiente.

“Os povos indígenas estão na linha de frente da justiça ambiental desde a invasão européia”, disse Basmin Nadra ao Riverfront Times. Durante séculos, as mulheres têm sido um recurso inestimável na luta contra as alterações climáticas.

A boa notícia é que existem muitas maneiras de ajudar. As possibilidades são, se você está lendo isso, de que você está em uma posição afortunada o suficiente para oferecer apoio – mesmo que esse apoio venha sob a forma de sensibilização sobre a mudança climática.

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O planeta é tudo o que temos – e as mulheres, como é verdade em tudo na vida, pagarão os custos mais altos durante as mudanças no nosso clima.

Como progressistas, devemos sempre estar tentando tornar o mundo um lugar melhor para todas as pessoas, mas as feministas devem se preocupar especialmente com as dificuldades das mulheres pobres e não-brancas.

Quer estejamos fisicamente envolvidas com o esforço de protestar contra projetos que destroem o meio ambiente, ou com a conscientização on-line ou em nossas comunidades sobre como a maior ameaça que a humanidade enfrenta atualmente é a mudança climática, há algo para todas nós fazermos.

As mulheres estão trabalhando todos os dias para preparar suas casas para o planeta em mudança, e se realmente levamos a sério o conceito de solidariedade, devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para ajudar.

Texto originalmente publicado em Everyday Feminism. Traduzido e publicado com autorização para o Modefica. Allison Kilkenny é escritora contribuinte do Everyday Feminism. Allison é o co-anfitriã do podcast político progressista Citizen Radio (wearecitizenradio.com) e autora da #NEWSFAIL. Seu trabalho já apareceu na Rolling Stone, The Guardian, MTV, Countdown com Keith Olbermann, MSNBC, The Nation, L.A. Times e NPR. 
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