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Branca, Magra e Alta: o Padrão de Beleza Em Um Contexto Social e Histórico

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  • Marina Colerato
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8 min. tempo de leitura

Assim como a publicidade, a moda frequentemente recorre a mulheres brancas, altas e magras para campanhas e editoriais. Achar o ponto chave do problema parece ser uma missão impossível. Editores jogam a culpa pela falta de diversidade nas agências de modelo, agências de modelo jogam a culpa em marcas e produtores por não escolherem modelos 'fora do padrão', marcas fingem que suas passarelas são diversas o suficiente e o jogo de empurra continua.

A verdade é que os problemas são múltiplos, mas todos se relacionam bastante com dinheiro. Em uma matéria no Estadão, Brooke Erin Duffy, professora Universidade Cornell especializada em estudos da mídia feminina e cultura do consumo, nos lembra que o papel da propaganda, principalmente de moda e beleza “é você se imaginar parecendo-se como uma celebridade ou modelo. É essa promessa de recompensa futura que gera a procura. Em uma sociedade racista, como a brasileira, americana e europeia, as marcas não acreditam que serão capazes de gerar desejo de compra com modelos negras, e, ao mesmo tempo, não se preocupam em se identificar com homens e mulheres negras, pois não acreditam que esse é seu público alvo.

Para termos um exemplo mais claro desse modo de funcionamento, basta percebemos como as modelos asiáticas foram ganhando mais espaço conforme a Ásia se desenvolveu economicamente e passou a ser uma grande consumidora de produtos de moda e beleza.  “Modelos asiáticas tornaram-se mais proeminentes com a ascensão do mercado asiático de produtos de luxo. O mesmo aconteceu com modelos russas”, explicou Hadley Freeman em um artigo para o The Guardian. “A indústria da moda simplesmente não prevê seus produtos sendo comprados por clientes negros – mesmo Oprah Winfrey foi humilhada pela Hermés – e, portanto, não se preocupa em tentar se relacionar com eles. Portanto, não é (sempre) que a indústria da moda pensa que só as pessoas brancas são bonitas (…) Ela pensa que só pessoas brancas – e algumas asiáticas – têm dinheiro”.

A Falta Da Diversidade Racial

É importante considerar que o “ideal” de moda nasceu de uma sociedade dentro dos conceitos de raça e classe dos anos 1920, quando a cultura de consumo americana e o ramo de modelos cresceram simultaneamente”, diz Brooke ao Estadão.

Ao olhar para a história, é importante lembrar também que modelos negras demoraram muito para aparecer em revistas de moda. Foi nos anos 60, quando a segregação da mídia ‘branca’ e da mídia ‘negra’ começou a eclodir nos Estados Unidos, que as revistas mainstream começaram a incorporar modelos negras em suas páginas. Em 1964, a Harper’s Bazaar foi a primeira revista de moda de grande circulação a ter uma modelo negra em seu editorial. Depois, em 1968, a Ladie’s Home Journal foi a primeira publicação a colocar uma mulher negra na capa. Em seguida, a Glamour e Mademoiselle fizeram o mesmo.

Os anos 70 contaram com muitas modelos negras nas revistas e até a Vogue American finalmente cedeu e, em 1974, estreou uma modelo negra na capa. Essa mudança teve muito a ver com o movimento dos direitos civis, mas também estava bastante ligada à força de mercado da juventude da época que tinha visões de trabalho e sociedade bastante diferentes das de seus pais e, ao mesmo tempo, muito poder de consumo. Entretanto, o espaço para modelos negras na moda não aumentou drasticamente. Ele permaneceu estagnado e, dos anos 70 pra cá, modelos negras ainda enfrentam muitas dificuldades para serem escolhidas para desfiles, editoriais de revistas e campanhas de moda.

No começo desse ano, a modelo e artista plástica Ashley B. Chew ganhou as manchetes e sua bolsa com os dizeres “Black Models Matter” (“Modelos Negras Importam”) viralizou na Internet como uma forma de protesto. “As pessoas não percebem isso, mas a indústria da moda é realmente acirrada. As pessoas vão dizer-lhe diretamente se elas não querem modelos negras ou cabelo natural. A pigmentação da pele não importa tanto. Claro, médio ou escuro – você vai ser tratado como preto. Eu sinto que é por isso que ‘Black Models Matter’ teve tanto buzz, porque tem sido um problema por algum tempo. Não há nada pior do que ser recusado por conta de sua composição natural”, disse Ashley ao Fashionista.

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As celebridades, as supermodels e a magreza

Quando o assunto é tipo de corpo, as questões são parecidas: marcas não querem consumidoras gordas e, ao mesmo tempo, é difícil gerar desejo com uma imagem fora do padrão. Modelos magras que são celebridades como é o caso de Gisele Bündchen, Naomi Campbell e Cara Delevingne, ou celebridades magras que mesmo não tendo corpos de passarela, como Kim Kardashian, Taylor Swift e Beyoncé, representam um padrão estético magro e desejado por muitas mulheres. Por isso, é bastante relevante olhar novamente para a história e entender como a imagem de modelos e celebridades começaram a se misturar.

Nos anos 50, época das pin-ups e de corpos mais curvilíneos, modelos não eram celebridades, mas Marilyn Monroe sim. “Os anos 1950 são frequentemente citados como a época das curvilíneas, mas isso não é totalmente verdadeiro”, diz Elizabeth Wissinger, autora de “This Year’s Model” e professora de estudos da moda na City University de Nova York. “Sim, as gordinhas eram populares, mas as pessoas tinham mais naturalmente esse corpo, consagrado por estrelas do cinema como Marilyn Monroe. Moda, porém, era outra coisa, e as modelos eram magras.”

Foi só nos anos 60 que os nomes das modelos começaram aparecer nas revistas. Antes disso, elas não eram identificadas e apenas celebridades do cinema, da música e da elite eram consideradas importantes o suficiente para isso – e eram como elas que as mulheres da época gostariam de se parecer. Talvez tenha sido Twiggy a primeira modelo a ganhar status de celebridade e aproximar a imagem da moda do imaginário de desejo das mulheres. Twiggy era supermagra e marcou o começou de uma nova era.

“Eu acho que algumas das modelos de hoje ficam magras demais, porque elas são pressionadas a isso, mas as modelos sempre serão magras. Eu mesma fui ‘acusada’ de ter anorexia nos anos 60, o que era injusto porque eu comia como um cavalo. Se eu lhe dissesse o que eu costumava comer naquela época você iria rir. Eu provavelmente como um terço hoje do que eu costumava comer”, disse Twiggy em uma entrevista recente ao Daily Mail.

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Da Inglaterra, a modelo Twiggy conquistou o mundo e marcou o começo de uma nova era // Reprodução

Nos anos 90 as modelos ganharam status de celebridades como nunca antes e foi nessa década que surgiu o termo supermodel. Não eram mais as celebridades que estreavam capas de revista e campanhas. Naomi Campbell, Cindy Crawford, Christy Turlington, Linda Evangelista e Tatjana Patitz eram os nomes mais cobiçados do momento. No final dos anos 90, celebridades começaram a retornar às capas de revistas, mas o papel da supermodelo estava garantido no imaginário coletivo de padrão de ‘mulher ideal’.

Depois veio Gisele Bündchen, nos anos 2000, e na era digital as modelos-insta-celebs, como Cara Delevingne, além do boom das mídias sociais que levaram as pessoas para dentro das salas dos desfiles, aproximando ainda mais os padrões da passarela das mulheres que não fazem parte dessa indústria. Hoje, modelos e celebridades se misturam, mas o padrão da passarela e das campanhas de moda continua sendo, majoritariamente, magro, e o mesmo acontece com as celebridades do nosso tempo, que influenciam diretamente na percepção estética das mulheres, muito mais do que a moda em si.

Não se engane, a indústria está sob pressão.

Há algum tempo, existe esforços coletivos para aumentar a diversidade nas passarelas do Brasil e do mundo, principalmente em se tratando de questões raciaias. Organizadores da semana de moda mandam cartas aos estilistas solicitando que as passarelas de suas marcas representem a diversidade cultural das cidades. O assunto vem sendo bastante debatido, inclusive pela própria mídia de moda.

Como pudemos ver, modelos estão começando a falar sobre isso, inclusive as mais importantes como a supermodel Jourdan Dunn. Em uma entrevista especial ao The Guardian ela fala como há um monte de desculpas e bobagens quando o assunto são modelos negras, sobre como ela já está acostumada a ser recusada nos desfiles de Paris e até mesmo sobre as problemáticas de maquiadores e profissionais que não sabem trabalhar com diversos tons de pele e texturas de cabelos para além do liso.

“Eu sinto que as pessoas que deveriam estar falando sobre isso, e que podem fazer a diferença, não estão. Tudo o que posso fazer é falar. As pessoas em níveis mais altos do que eu – os estilistas, stylists, os diretores de elenco – eles são os únicos com o poder de mudar isso. É aí que a conversa precisa acontecer – entre os peixes grandes. As pessoas que controlam o setor. Eles dizem que se você tem um rosto negro na capa de uma revista ela não irá vender, mas não há nenhuma evidência real para isso. É preguiçoso. Você sempre ouve “não há modelos negras o suficiente”, o que é bobeira. É tudo sobre essas desculpas esfarrapadas”, disse ela.

Voltamos ao começo: a importância do poder de compra.

Querendo ou não, a verdade é que a indústria da moda vai para onde o dinheiro está e conforme o dinheiro vai para as mãos de jovens (consumidores) cada vez mais preocupados e capazes de questionar os padrões, mais a indústria está disposta a se mexer. Não importa se a editora da Vogue diz que não vai colocar mulheres gordas nas capas de sua revista. Se ela começar perder dinheiro (anunciantes) por isso, rapidamente seus castings refletirão essa demanda.

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As supermodelos dos anos 90 // Reprodução

O mesmo vai acontecer com estilistas que sempre dizem que “não importa se a modelo é branca, negra ou asiática contanto que ela represente a marca”, mas coloca apenas modelos brancas em suas passarelas. Quando o poder de consumo estiver na mão de pessoas que deixarão de comprar por não se sentirem representadas, o estilista vai, sem dúvida, prestar atenção na cor da pele das suas modelos.

Afinal, é importantíssimo lembrar que o que vemos nas capas de revista é mais do que um ideal de beleza. Como disse Jess Cartner-Morley e Eva Wiseman, “Twiggy, Cindy, Kate, Cara: essas mulheres não conseguem meramente por força de suas características simétricas. Ser o rosto de uma geração significa exatamente isso: o rosto que representa as aspirações e ideais dessa geração. Estas aspirações sempre incluem beleza, mas eles não param por aí. Meninas que são capa da Vogue não apenas refletem a medida da cintura ideal de seu tempo. Elas seguram um espelho frente às nossas atitudes com relação a mulheres, sexualidade, juventude e envelhecimento”.

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