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Na Caatinga, Devastação Crônica Acende Alerta Vermelho Para o Clima e Biodiversidade

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  • Juliana Lima
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Victória Lobo

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Enquanto olhamos a Amazônia e o Pantanal queimar, atingindo índices de desmatamento e queimadas históricos, outros biomas brasileiros estão sofrendo ameaças tão preocupantes quanto. Mas quando o caos não atinge um determinado bioma com tanta intensidade e as ameaças são menos notadas, há grandes chances do problema passar despercebido e, quando notado, ser tarde demais.

É isso o que está acontecendo com a Caatinga agora. O grande ponto de atenção no caso deste bioma é que, mesmo em espaços relativamente intactos, a degradação está se tornando uma ameaça séria. Esse alerta foi dado por uma pesquisa recente, divulgada na revista inglesa Journal of Applied Ecology no início de agosto.

Os pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Carlos Alberto Fonseca, Marina Antongiovanni, Eduardo Venticinque e Marcelo Matsumoto – assinam a pesquisa “Perturbação antrópica crônica em fragmentos de floresta seca da Caatinga”, que mapeou mais de 47 mil fragmentos da região árida através de um índice matemático baseado em informações disponíveis em banco de dados oficiais do IBGE, do Ministério do Meio Ambiente, entre outros. Para a avaliação, eles consideraram dados como localização dos fragmentos, densidade populacional humana e existência de estradas asfaltadas e de terra batida, assim como a criação de gado.

O objetivo principal da pesquisa foi compreender como os distúrbios causados pela atividade humana são distribuídos pelo espaço para que se possa criar práticas mais eficazes de conservação e manejo na floresta seca da Caatinga. Essas alterações potenciais podem ter consequências irreversíveis tanto para a fauna do local quanto para quem vive por lá. A investigação teve como norte a identificação de como as diferentes regiões geográficas são afetadas, considerando ainda a intensidade da perturbação nos fragmentos de diferentes tamanhos e da distância entre eles. Dentro desse contexto, criou-se um índice de perturbação antrópica crônica para representar cada um dos vetores nos mais de 826 mil km quadrados: população humana, infraestrutura, pastagem, exploração madeireira e incêndio (invasão biológica e caça furtiva ficaram de fora por falta de informação).

Quando dizemos que o distúrbio se torna crônico, isso significa que, mesmo que as alterações causadas pelo homem sejam leves, elas acontecem de forma contínua dentro dos ecossistemas naturais. Independente da intensidade e da escala temporal dessas intervenções, elas são, agora, consideradas como agudas pelo impacto que estão causando até mesmo em áreas de diferentes biomas não desmatadas, mas que já se encontram degradadas pelo o que vem acontecendo por décadas ou séculos. De acordo com a pesquisa, mesmo que a metade da vegetação original da Caatinga ainda permaneça, a maioria dos fragmentos restantes provavelmente sofre bastante com esses distúrbios, e o impacto se diferencia de região para região.

Qual o impacto disso?

A resposta não é nada animadora: uma grande parte da Caatinga pode estar altamente ameaçada, o que vai afetar diretamente a sua biodiversidade e os recursos naturais em um processo de corrosão silencioso, com resultados menos evidentes que a perda de habitat – ameaça mais direta – por exemplo, mas tão preocupantes quanto, como a alteração das espécies, da diversidade e dos processos ecológicos.

A pesquisa aponta como principais causas de distúrbios causados pelo homem o uso e consumo direto de recursos naturais pelas comunidades locais e os múltiplos efeitos colaterais causados ​​por atividades de produção e desenvolvimento de infraestrutura. Assim, os habitats naturais localizados próximos a assentamentos e pastagens humanas são mais suscetíveis a essas perturbações crônicas devido à extração de madeira, pastagem, caça furtiva e queimadas, isso sem falar nas estradas que surgem para que se crie acesso às partes anteriormente remotas.

Considerando que Caatinga apresenta um dos mais baixos índices sociais e econômicos do país, não é de se espantar que essa vulnerabilidade social faça a população depender dos próprios recursos naturais para sobreviver, pelo menos parcialmente. Para citar algumas situações: o consumo de animais silvestres é mais do que uma atividade sociocultural, é às vezes a única fonte de proteína dos moradores; a madeira, extraída da Caatinga todos os anos, é uma das principais fontes de energia de uso doméstico em áreas rurais; a pecuária é uma das maiores fontes de renda e subsistência, e muitas áreas nativas foram substituídas por pastos. O resultado desses usos (e de centenas de outros) é o forte impacto negativo da agricultura extensiva na vegetação.

O nível e a causa da degradação se apresentam de forma distinta quando se analisam as regiões áridas. A pesquisa revela que os fragmentos do norte e oeste são mais perturbados do que os da região sul e leste; já no litoral o que afeta a Caatinga é o pastejo do gado bovino; e no Ceará, que faz parte da região norte, as queimadas são a maior preocupação. Um dos motivos levantados por eles para justificar a existência de grandes áreas de Caatinga intactas no Piauí e na Bahia é a menor quantidade de estradas. Esse conhecimento regional entregue pela pesquisa permite desenhar medidas adequadas, como controle de incêndio no norte, uso de cercas para manejo de gado no leste ou criação de áreas protegidas no oeste, como sugerem os autores.

O que deve ser feito para mudar o panorama de destruição?

De acordo com os pesquisadores, os resultados da pesquisa conduzem a um caminho rumo às políticas de conservação dos biomas com focos diferenciados para as regiões de acordo com o impacto sofrido por cada uma delas. Eles ressaltam que, mesmo sabendo sobre a metade de área ainda conservada, essa é uma superestimação séria do estado de conservação desse ecossistema. Por quê? A maior parte da vegetação remanescente sofre de distúrbios antrópicos crônicos causados por múltiplos fatores de estresse relevante em todos os fragmentos de um bioma ameaçado.

A criação da classificação contínua dos distúrbios vai ajudar a entender melhor a heterogeneidade tanto dentro quanto entre as áreas afetadas, e também os padrões regionais de modificação da paisagem, o que fornece detalhamento benéfico para se tomar medidas adequadas de manejo e conservação, restauração de ecossistemas, expansão das redes de conservação, entre diversas outras.

A degradação ambiental da Caatinga pode não só levar à extinção de espécies, mas alterar os ciclos geomorfológicos e até o clima, o que pode acarretar a acentuação dos períodos de seca e da desertificação em muitas áreas.

O pesquisador Carlos Alberto alerta, na entrevista dada à Agência Bori, afirmou que a Caatinga possui centenas de espécies que não existem em nenhum outro lugar do mundo, e que iniciativas em prol da proteção da nossa biodiversidade precisam ser lideradas pelos governos Federal e Estaduais. Eduardo Venticinque, co-autor da pesquisa, ressalta que essa degradação ambiental da Caatinga pode não só levar à extinção de espécies, mas alterar os ciclos geomorfológicos e até o clima, o que pode acarretar a acentuação dos períodos de seca e da desertificação em muitas áreas.

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