Como um choque, recentemente descobri que talvez sim.
“O conceito de ‘desenvolvimento’ é uma construção política que preserva uma hierarquia global. Em termos de alívio do sofrimento humano, o desenvolvimento pode dificultar, não ajudar”.
Sentada na minha aula de Mestrado em Direito e Desenvolvimento, tentei processar essas palavras e suas implicações. A ideia desafiou os fundamentos de muitas das minhas crenças, coisas as quais aceitei serem verdadeiras sem hesitar. E eu me senti desconfortável com isso.
Eu sempre fui uma defensora auto-proclamada do desenvolvimento. Por quase cinco anos, eu sou uma blogueira de estilo de vida sustentável, pautando principalmente consumo ético para endereçar pobreza e desigualdade. Trabalhei para uma organização sem fins lucrativos de combate à pobreza, guiada principalmente pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas (antes de 2015) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável depois disso. Agora sou uma advogada do governo e percebo que grande parte das políticas adotadas pelos países são adotadas em nome do desenvolvimento, até mesmo os países desenvolvidos. Ah, e nesse ponto, há anos, usei fielmente os termos países “desenvolvidos” e “em desenvolvimento” em vez de “Primeiro” e “Terceiro” Mundo na crença de que estes eram termos menos pejorativos.
Cavando um pouco mais fundo, vi que cada um dos papéis de luta contra a pobreza e por direitos que eu já assumi estava baseado no pressuposto de que combater a pobreza e garantir a igualdade é alcançada através do desenvolvimento – e, portanto, entendemos o desenvolvimento como algo positivo.
O que é o desenvolvimento?
“Desenvolvimento” é entendido como uma coisa vagamente positiva, mas quando você tenta entrar em seu significado específico, é um conceito evasivo. Como o pesquisador de desenvolvimento e autor Wolfgang Sachs coloca, o desenvolvimento pode significar quase qualquer coisa – desde a construção de arranha-céus até a melhoria do saneamento, desde a perfuração de poços em busca de água ou petróleo, da instalação de indústrias de software até a criação de viveiros de árvores. Para alguns, pode significar apenas crescimento econômico, medido em termos de PIB. Outros identificam o “desenvolvimento” com a luta contra a pobreza, a concessão de direitos e a distribuição de recursos aos pobres e vulneráveis.
Como conceito, é algo vazio, o que o torna um veículo perfeito para os objetivos políticos, assumindo o significado que lhe é prescrito em diferentes contextos para ajudar a atingir esses objetivos.
Que tipo de desenvolvimento?
Hoje, o termo “desenvolvimento” é muitas vezes sinônimo de melhorar as condições dos países e das pessoas, em particular, combater a pobreza. Um bom exemplo são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, dos quais dois são Pobreza e Fome Zero. No entanto, a ideia de desenvolvimento engloba transformações mais amplas – e exige tipos muito particulares de transformação. Alguns dos outros objetivos nos dão uma pista de quais transformações são essas. O oitavo e nono objetivos, por exemplo (Trabalho Decente e Crescimento Econômico e Indústria, Inovação e Infraestrutura) estão suspeitamente alinhados como um modelo de transformação (ocidental) baseado no crescimento econômico.
Desta forma, o desenvolvimento é medido de acordo com preconceitos originários da história, normas e costumes da cultura ocidental e a condição de se tornar “desenvolvido” é relativa à cultura, valores e padrões ocidentais.
A história política do desenvolvimento.
O uso e a compreensão do significado de “desenvolvimento” da forma como conhecemos hoje emergiram relativamente recentemente. Historicamente, o termo foi usado principalmente em um sentido biológico para descrever o crescimento de organismos vivos. Falamos sobre “desenvolvimento” de plantas e animais não-humanos e sociedades. De 1759 a 1859, cientistas como Wolff e Darwin começaram a usar “desenvolvimento” e “evolução” de forma intercambiável. No final dos anos 1800, o termo tinha começado a fazer a transição da esfera biológica para a social.
Mas foi só após 1949 quando o uso do termo em uma esfera social decolou. Em 20 de janeiro de 1949, em seu discurso inaugural, o ex-presidente dos Estados Unidos Harry S. Truman entregou seu Plano de Quatro Pontos, descrevendo a política externa dos EUA. O quarto ponto de Truman foi fazer com que os benefícios de nossos avanços científicos e progresso industrial estivessem disponíveis para a melhoria e o crescimento das áreas subdesenvolvidas. Nesta declaração estava a invenção do subdesenvolvimento e o ressalto do crescimento, dos avanços científicos e do progresso industrial como o caminho pelo qual se escapa do subdesenvolvimento.
O contexto político é altamente relevante aqui. Isso aconteceu logo após a Segunda Guerra Mundial quando o status de muitas colônias das nações ocidentais era incerto. Havia tensões entre o mundo livre capitalista e a União Soviética e seu bloco. Portanto, dividir o mundo em ‘nós e eles’ estava no topo de muitas agendas.
O subdesenvolvimento foi estabelecido como algo altamente indesejável, caracterizado, entre outras coisas, pela vida econômica “primitiva e estagnada”.
Aqui, percebemos que, mesmo ao entender o desenvolvimento como forma de combate à pobreza e garantir direitos, a nível político, o desenvolvimento está inextricavelmente ligado à economia. O objetivo do desenvolvimento é geralmente o crescimento e não a equidade. Para a tristeza dos consumidores conscientes, o objetivo da modernidade e do crescimento econômico é tradicionalmente alcançado através do ciclo de industrialização, produção em massa e alto consumo – ruim para o meio ambiente e às vezes ruim para os produtores.
Também vemos que os fundamentos políticos do desenvolvimento estabeleceram uma hierarquia vertical clara na marcha em direção à modernidade, com o Norte Global no topo e com os estados em desenvolvimento abaixo. Quando Truman adotou o termo “desenvolvimento”, historicamente usado principalmente em um contexto biológico, e o aplicou à vida econômica e social, ele ligou o termo a um conceito darwinista de evolução. Assim, Truman separou os estados-nação e seus cidadãos em categorias de superior e inferior, avançadas e em um estágio inferior de evolução unilinear.
O contexto político é altamente relevante aqui. Isso aconteceu logo após a Segunda Guerra Mundial quando o status de muitas colônias das nações ocidentais era incerto. Havia tensões entre o mundo livre capitalista e a União Soviética e seu bloco. Portanto, dividir o mundo em “nós e eles” estava no topo de muitas agendas.
Assim, Truman transformou a história ocidental em uma “história universal”, ou um modelo para alcançar o destino necessário e inevitável de tornar-se desenvolvido e “ser desenvolvido” em um objetivo desejável, mas inalcançável.
Desenvolvimento além do mito.
Não podemos rescrever a história do desenvolvimento e suas implicações contínuas para a forma como o termo é compreendido hoje e usado para justificar todo tipo de intervenções econômicas e projetos sociais – tanto úteis como não úteis. Podemos, no entanto, fazer mudanças na forma como pensamos e falamos sobre o desenvolvimento. Aqui estão algumas sugestões sobre como começar:
1. Use os termos ‘Noter Global’ e ‘Sul Global’ em vez de ‘desenvolvido’ e ‘desenvolvimento’ para que você não esteja implicitamente reforçando as ideias de que algumas pessoas estão acima de outras.
2. Ao invés de seguir um modelo pré determinado (ocidental) do que significa ser “desenvolvido” e como chegar lá, apoie projetos que envolvam pessoas escrevendo seus próprios objetivos e caminhos de “desenvolvimento”.
3. Questione projetos que são justificados pelos conceitos ocidentais de “desenvolvimento”, tanto no Norte quanto no Sul Global. Se eles soam como más notícias para o meio ambiente e para as pessoas, provavelmente eles são – e nenhuma quantidade de desenvolvimento econômico pode remediar isso.
4. Nossa preocupação com posses materiais é resultado de anos ouvindo sobre como a economia é o rei e possuir “coisas” é a marca registrada de ser “desenvolvido” (e, portanto, estar acima dos outros). Apoiada por uma indústria de marketing de vários trilhões de dólares, nossa crença de que devemos desenvolver ou evoluir para um estado cada vez mais perfeito interfere diretamento nos nossos hábitos de consumo. Mas isso pode ser desaprendido. Questione sua necessidade de comprar mais coisas. Aprecie o que você tem, espere 30 dias antes de fazer uma compra. Desacelere.
Desta forma, o desenvolvimento é medido de acordo com preconceitos originários da história, normas e costumes da cultura ocidental e a condição de se tornar ‘desenvolvido’ é relativa à cultura, valores e padrões ocidentais.
Por fim, lembre-se de que é difícil desfazer décadas de adaptação política e cultural, então evite se preocupar demais com ser um “purista ético”, como diz Leah. Reforma política perfeita, níveis de “iluminação”, ação ativista ou de defesa do consumidor – esses são objetivos impossíveis e aconselho você a não tentar alcançá-los.
Comece pequeno em vez disso. Pequenas modificações na forma como pensamos e falamos, como as sugeridas acima, podem causar um impacto positivo. Como disse Gandhi, as crenças tornam-se pensamentos, que se tornam palavras, que se tornam ações – e pequenas ações tomadas por muitas pessoas é o que, em última instância, leva à mudança.
Texto escrito por Ashlee Uren e publicado originalmente no Style Wise. Traduzido com autorização para o Modefica. Ashlee é advogada de comércio internacional e sustentabilidade baseada na Austrália. Você pode acompanhá-la em www.onefairday.com.