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Tansy Hoskins Sobre a Indústria da Moda: Mudar Nossos Hábitos de Compra Não é o Suficiente

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  • Marina Colerato
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No ano passado eu tive a chance de ler Stitched Up: The Anti-Capitalism Book Of Fashion (sem tradução para o português) da jornalista inglesa Tansy Hoskins. É um dos melhores livros sobre a indústria da moda e como repensá-la que eu já li e eu posso afirmar já ter lido bastante sobre o tema.

Hoskins disseca o sistema da moda; da mão de obra barata a donos de conglomerados multimilionários, de padrões de beleza à devastação ambiental, da excitação de ir às compras à apatia em relação a crueldade com os animais, da mídia de moda elitista à nova geração de blogueiras e escritoras de moda ética. Nada fica fora do radar de Tansy com seu olhar afiado e acentuada sagacidade.

A suposta obrigação para aguentar a moda dá a mim, e a todo mundo, o direito de escrever sobre ela, criticá-la, obstruí-la.

Tansy Hoskins

A autora não tem medo de criticar “o Imperador” (conhecido também como ‘indústria da moda’) nem o capitalismo, mas ela reconhece ter essa possibilidade apenas por ser de fora da área e não depender da moda para viver. Seu ponto de vista é claro: precisamos ser progressistas, repensar todo o sistema econômico e ir o mais para a esquerda quanto possível. Ela é direta sobre a falsa ideia de ser possível comprar um mundo melhor e esperar o melhor das corporações. Nós precisamos lutar (não comprar) para um novo mundo.

Nós conversamos com Tansy por email e fizemos algumas perguntas sobre seu livro, sobre a indústria da moda e, claro, sobre o quanto ela acredita na moda ética e na sustentabilidade na moda.

Modefica: Você é jornalista e em seu livro, Stitched Up, você fala que nunca trabalhou na indústria da moda. Por que (e quando) você decidiu falar sobre moda?

Tansy Hoskins: Eu decidi escrever Stitched Up porque eu não conseguia encontrar as respostas as quais eu precisava sobre a indústria da moda. Apesar de Stitched Up ser um livro bem global, é também um projeto pessoal baseado em perguntas pessoais que eu tinha como a luta de amigas minhas com transtornos alimentares, sobre o porquê eu lia Vogue todos os meses, mas raramente via modelos que não eram brancas. E porque eu saia e passava o dia fazendo compras, chegava em casa cheia de sacolas, mas no dia seguinte eu acordava querendo fazer tudo de novo – de onde vem esse buraco negro dentro de nós? Em resumo, eu precisava de um livro que falasse de moda no contexto do capitalismo e eu pensei: ‘se eu tenho essas perguntas, tenho certeza que outras pessoas também têm’.

Eu cresci em um mundo rebocado com anúncios, normalmente estrelando a Kate Moss. A suposta obrigação para aguentar a moda, para deixá-la me dizer como eu deveria me sentir sobre o meu corpo e o mundo em torno de mim, dá a mim, e a todo mundo, o direito de escrever sobre ela, criticá-la e obstruí-la, tanto quanto nós quisermos.

MF: Você acredita ser mais fácil falar sobre moda sendo de fora da indústria?

TH: Totalmente! Se eu dependesse da indústria da moda para viver, eu jamais teria a possibilidade de escrever Stitched Up. A maior regra da moda é que você não deve criticar: o Emperador está pelado, mas ninguém ousa falar alguma coisa. É incrivelmente não saudável para qualquer forma de arte não receber críticas, mas no caso da moda nós sabemos onde termina: devastação ambiental, dismorfia corporal, e milhares de mulheres presas debaixo dos escombros do Rana Plaza.

Em uma nota diferente, todos nós devemos falar sobre reformar a indústria da moda porque seria incrivelmente excitante em termos de inovação e design. Neste momento, 99,9% da moda é tediosamente monótona porque o design dominado pelo mercado é, por definição, chato.

Imagine uma indústria da moda não impedida de progredir por conta de um grupo de acionistas europeus brancos do sexo masculino, imagine uma indústria não sufocada por regras discriminatórias tediosas sobre gênero, sexualidade e raça. Eu adoraria ver a democratização da moda e a explosão de criatividade que viria a seguir.

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Stiched Up já foi traduzido para 3 línguas e é uma referência importante para o debate.

MF: Há um significativo aumento de interesse na moda ética. Por que isso? E o que isso significa para você?

TH: O mercado de moda ética não é o foco do meu trabalho principalmente porque eu quero me concentrar em marcas maiores que literalmente estão se safando por seus crimes [a autora usa a expressão ‘getting away with murder’]. As marcas de moda ética hoje competem com o modelo de fast-fashion responsável por produzir roupas com preços de venda muito baixos, nesse clima e com a crise econômica global tendo encolhido a renda disponível, a moda ética enfrenta uma luta árdua, e é em partes o motivo de representar apenas 1% da produção e vendas a nível global.

MF: Você acredita que, dentro do atual sistema econômico, moda ética/sustentável não existe. Por que?

TH: Capitalismo significa que uma pequena minoria de pessoas detém os meios de produção, como fábricas, enquanto todos os outros trabalham para eles. A moda abrange indústrias ambientais e de mão de obra intensivas, como a agricultura, indústrias químicas, transporte, trabalho de fábrica, e varejo. Nenhuma dessas indústrias existe sem exploração, nenhuma destas indústrias são de propriedade coletiva das pessoas que trabalham nelas, e os trabalhadores são explorados porque em nenhuma parte das cadeias de abastecimento as pessoas são pagas de acordo com o montante do valor que elas geram.

É claro que vale à pena comprar o item menos impactante que você puder, mas uma parte central do Stitched Up é desafiar a ideia de que nós podemos comprar justiça. Mudar nossos hábitos de compra não é o suficiente. O capitalismo nos ensina que empoderamento vem da ação independente (e não coletiva), que liberdade significa variedade do que consumimos, e que devemos confiar no sistema e comprar (não lutar) por um mundo novo. Uma narrativa que ensina que as corporações podem ser domadas pelos gastos do consumidor e serem “éticas”. É uma retórica da democracia agindo como uma tela para a exploração.

A maior regra da moda é que você não deve criticar: o Emperador está pelado, mas ninguém ousa falar alguma coisa.

Tansy Hoskins

MF: No seu livro você não fala muito sobre o sistema educacional. Qual o papel das escolas de moda?

TH: Uma das coisas que mais gosto de fazer é ir falar em escolas de moda, frequentemente eu sou convidada por estudantes porque eles estão com raiva das lacunas em sua grade de estudos que não os dá qualquer oportunidade de aprender sobre os direitos laborais, o ambientalismo ou imagem corporal. Educação para a próxima geração de designers é claramente crucial e as escolas de moda precisam correr e adotar as mudanças progressivas que os estudantes querem.

MF: Recentemente a H&M lançou sua ‘conscious collection’ e Semana da Reciclagem. Parte do público acredita que foi apenas greenwashing. Outra parte acredita que a empresa está se mexendo para resolver o problema. Como você enxerga esse tipo de ação?

TH: Esse foi realmente um greenwashing vergonhoso por parte da H&M. Há 52 semanas em um ano e mesmo assim eles escolheram a semana do aniversário do desastre do Rana Plaza para fazer a Semana da Reciclagem. Eu vejo essas ações como tentativas totalmente cínicas para manter o status quo e a maneira tradicional de fazer negócios.

MF: Por que as marcas de luxo continuam ilesas às críticas?

TH: Porque eles têm a base de clientes que menos se preocupa com as coisas. O super-ricos não são exatamente conhecidos por sua ética então não há razão para esperar que eles se preocupem com as condições sob as quais suas roupas foram feitas.

Uma parte central do Stiched Up é desafiar a ideia de que nós podemos comprar justiça.

Tansy Hoskins

MF: Você fala sobre as limitações do boicote e explica porque “votar com seu dinheiro” é insuficiente. Na sua opinião, quais medidas e ações podem ser tomadas para que nós, como cidadãos, nos engajemos de maneira mais ativa e efetiva para transformar os paradigmas da moda para além do caixa de pagamento?

TH: A principal razão pela qual eu não instigo randomicamente o boicote é porque trabalhadores e sindicatos em Bangladesh, por exemplo, não querem que isso aconteça. Eles não querem perder seus empregos.

O capitalismo criou um mundo onde as pessoas não significam nada. A única forma de começar a significar alguma coisa é trabalhando de maneira coletiva e formando um bloco capaz de desafiar as forças que estão te atacando e te explorando. Você trabalha com um sindicato, você pode forçar um aumento do salário mínimo – que é o que vimos em Bangladesh. Se sindicatos trabalharem juntos em escala global, é possível ter acordos legais como o Bangladesh Accord on Building and Fire Safety.

É também a criação de espaço para a auto-determinação e liderança que é tão especial – as milhares de jovens mulheres em Bangladesh que superaram as barreiras em torno do gênero, educação, pobreza, classe e patriarcado para liderar manifestações através de Dhaka, que se levantam perante os proprietários e gerentes da fábrica, e perante o violento peso de um Estado, com a sua legislação anti-sindical, a sua polícia, canhões de água, cassetetes e balas, que está desesperado para manter estas mulheres subjugadas e sob condições escravistas.

Essas mulheres – essas que estão conquistando as coisas – precisam do nosso apoio e solidariedade. E em países como os EUA e o Reino Unido, nós devemos ser conduzidos e inspirados por elas. Há centenas de grupos, sindicatos e campanhas nas quais é possível se envolver – as pessoas devem escolher as questões com as quais se importam mais e lutar junto.

Tansy reside em Londres e você pode ler seus artigos no The Guardian, Business Of Fashion e muito mais. Siga ela no Twitter e curta a página do Stitched Up no Facebook.

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