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O Papel do Design Inteligente Para Sustentabilidade e Circularidade na Moda

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  • Marina Colerato
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Victória Lobo

3 min. tempo de leitura

O conceito de design nunca foi só sobre estética. É hora de reavivar suas funções técnicas, atitute, ideias e valores a favor da circularidade na moda.

No livro Design do Século XXI, Charlotte e Peter Fiell lembram que “a importância do design, não pode ser subestimada. O design não só abrange uma extraordinária gama de funções, técnicas, atitudes, ideias e valores, todos eles influenciando a nossa experiência e percepção do mundo que nos rodeia, como também as escolhas que fazemos hoje sobre a futura direção do design terão um efeito significativo e possivelmente duradouro sobre a qualidade das nossas vidas e no ambiente nos anos futuros”.

O que Charlotte e Peter estão dizendo é que o designer precisa tomar decisões não só considerando questões de preço, qualidade e estética, mas também fatores ambientais e sociais, pensando não só no produto, mas na relação desse produto com as pessoas e com o meio ambiente. A partir daí, o designer e o design têm um papel central em tempos de crise climática, poluição dos oceanos e sobrecarga da Terra num mundo ainda bastante produtificado.

Colocar o design no centro da conversa tem sido o papel da economia circular. Com a ascensão do debate sobre circularidade, ascende também a ideia de design para circularidade. Embora possa parecer que o pensar circular significa apenas garantir a reciclagem, o design para circularidade pensa tanto nos produtos quanto nos processos – e ao garantir uma visão do berço ao berço precisa, obrigatoriamente, pensar em como esses produtos serão usados e, posteriormente, ressignificados.

Catherine Weetman explica que o bom design precisa promover a longevidade do produto e capacitar e encorajar fluxos circulares bem como garantir acesso fácil aos fluxos futuros. Em se tratando de design do processo, ela destaca a necessidade de planejar fluxos circulares, diminuindo inputs, como água, energia e matérias-primas (e outputs, como resíduos tóxicos e poluição) e construir fluxos simbióticos 1 WEETMAN, Catherine. Economia Circular – Conceitos e estratégias para fazer negócios de forma mais inteligente, sustentável e lucrativa. São Paulo – Autêntica Business,2019. .

Do impulso à onda dominante

Sempre que estamos pensando em design para circularidade na moda, gosto de usar o exemplo do PET reciclado para tangibilizar de forma clara essa ideia. Considerado uma alternativa de menor impacto ao poliéster virgem, o PET reciclado em forma de tecido é uma opção que traz consigo uma série de debates importantes e complexos, que precisam ser levados em consideração se estamos falando de circularidade com responsabilidade. A produção de PET reciclado tem menor pegada de carbono e hídrica, além de permitir uma trama 100% reciclada. Mas existem alguns pontos de atenção nessa conversa.

O primeiro deles é a sua origem. A quantidade de PET produzida precisa invariavelmente diminuir. É hora da indústria de bebidas dar conta dessa responsabilidade porque, mesmo com a ajuda da indústria da moda, essa conta não fecha. Para termos uma noção de grandeza, um sapato de PET reciclado utiliza, em média, cinco garrafas plásticas. Nesse sentido, transformar garrafas plásticas em tecido não pode ser considerada a solução última para a poluição por plástico e sua produção excessiva. Essa estratégia, como apontou o relatório Fashion at the Crossroads, do Greenpeace, deve ser adotada a partir de uma perspectiva de conscientização da sociedade sobre o problema, o papel da moda nessa conversa e mitigação.

Isso posto, precisamos endereçar os microplásticos – um problema crescente e ainda com impactos desconhecidos pela ciência – e como trabalhar com o tecido de PET reciclado no fim do ciclo de vida do produto. São nesses dois momentos que o pensar design a partir de uma perspectiva circular pode ajudar. Embora produtos plásticos liberem microplásticos em todo seu ciclo de vida, para produtos têxteis essa liberação é mais acentuada e problemática no processo de lavagem das peças. Isso significa que uma quantidade maior de microplásticos é liberada quando lavamos nossos itens à mão ou à máquina – com algumas variáveis dependendo da forma ou condição.

Um design inteligente, capaz de ponderar todo ciclo de vida de um produto, pode lançar mão do PET reciclado para produtos com baixo índice de lavagem como casacos de inverno, mochilas, sapatos e outros acessórios – como tem feito a brasileira Insecta, conhecida por suas estampas vintage ou exclusivas em tecidos 100% PET – que não exigem processos de lavagens frequentes ou ainda para produtos onde o poliéster é indispensável. Camisetas, blusas e itens que serão lavados com mais frequência – e podem ser produzidos a partir de outras fibras – devem ser colocados de lado nessa estratégia, afinal, a ideia de usar PET reciclado é não poluir e microplásticos são um tipo de poluição difícil de conter.

Outro ponto de atenção do PET reciclado é como recuperar os produtos, partes ou materiais, sem perder valor no fluxo reverso. Aqui, podemos pensar em reuso, upcycling ou reciclagem. Garantir que os produtos ou materiais serão de alguma forma reutilizados é um desafio para produtos têxteis. O mercado de segunda mão não tem dado conta das 9 bilhões de peças produzidas anualmente só no Brasil – por esse motivo, é importante que a própria marca fomente seu mercado de segunda mão, garantindo a responsabilidade estendida e comercializando os produtos semi-novos por preços mais acessíveis.

Para produtos sem condições de uso e reaproveitamento é hora de lançar mão da reciclagem. Mas sendo realista. Hoje, as taxas de reciclagem da moda giram em torno de 1% e, por isso, reciclar produtos ainda não é uma alternativa amplamente possível. Algumas marcas, como a já mencionada Insecta, que recentemente passou a aceitar inclusive sapatos de usados de outras marcas, conseguem transformar seus produtos em novos produtos – mas elas normalmente conseguiram isso depois de muita pesquisa e inquietação.

Ter responsabilidade no design exige esse olhar sistêmico dos impactos – positivos ou negativos – sobre os produtos colocados no mundo. Embora muitas vezes as escolhas envolvam optar pelo menor impacto negativo e priorizar de acordo com as prioridades de cada designer, essa visão holística não pode faltar a quem busca a verdadeira função do design: servir as pessoas. Como notam Kate Fletcher e Lynda Groose, “colocadas a serviço de objetivos que vão além do comércio, as ideias e habilidades dos designers deram novo impulso à prática de design na era da sustentabilidade” 2 FLETCHER, Kate e GROOSE, Lynda. Moda e Sustentabilidade – Design Para Mudança. São Paulo, Editora Senac. Precisamos transformar o impulso na onda dominante.

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