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Violência e Vulnerabilidade: a Necessidade da Dimensão de Gênero nas Respostas à Pandemia

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  • Gabriela André Santos
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Victória Lobo

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O Brasil abriu a semana passada com quase 80 mil mortes pelo novo coronavírus. Nas favelas, o avanço da doença é, sobretudo, facilitado por uma antiga agenda política de nosso país, a desigualdade socioeconômica. O baixo índice de isolamento social das famílias que não podem deixar de trabalhar, o tamanho e proximidade das casas, a desinformação, pouco acesso a recursos são algumas das vulnerabilidades pré-existentes que colocam em evidência a necessidade de medidas específicas ao combate da doença nestas regiões.

Entretanto, é necessário observar como a pandemia e o isolamento social têm afetado sobretudo mulheres. Desde o começo da pandemia, temos visto um acúmulo de notícias sobre o aumento da violência de gênero. Segundo o documento “Gênero e Covid-19 na América Latina e no Caribe: Dimensões de Gênero na resposta”, publicado pela ONU Mulheres no dia 20 de março, “enfrentar uma quarentena é um desafio para todos, mas para mulheres em situação de vulnerabilidade pode ser trágico. No Brasil, onde a população feminina sofre violência a cada quatro minutos e em que 43% dos casos acontecem dentro de casa, essa preocupação é real”.

Ao pensarmos em violência a partir de um cenário de crise sanitária pandêmica, por um lado o isolamento social recomendado pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) pode aliviar algumas demandas dos setores de segurança, como a diminuição de alguns tipos de crimes que acontecem nas ruas, entretanto, por outro, pode aumentar a demanda por crimes relacionados à violência doméstica.

Embora ainda seja difícil afirmar com precisão se a medida de isolamento social e a diminuição de policiamento nos grandes centros urbanos do país podem contribuir para a diminuição dos índices de homicídios, crimes contra o patrimônio, entre outros, já é possível identificar um aumento nos registros de violência doméstica e violações de direitos humanos.

Segundo levantamento realizado pelo Ministério Público (MP) de São Paulo, durante o primeiro mês da quarentena no estado foi registrado um aumento significativo dos procedimentos urgentes e principalmente das prisões em flagrante por violência contra a mulher. Ainda segundo o relatório, o mesmo fenômeno pode ser notado para os dados de pedidos urgentes de proteção para vítima de violência. No período 2019-2020, houve aumento de 23,5% nessas medidas. Durante o primeiro mês de isolamento, o aumento foi de 29,2% – foram 1.934 medidas protetivas de urgência em fevereiro, contra 2.500 em março.

Em abril, a quantidade de denúncias de violência contra a mulher recebidas no canal 180 deu cresceu quase 40% em relação ao mesmo mês de 2019. Estima-se ainda que o número de denúncias pode estar abaixo dos casos reais de violência, uma vez que a presença do agressor em casa pode constranger a mulher a realizar uma denúncia.
 

Recursos às provedoras

Outra faceta da atual crise sanitária e seus impactos para as mulheres está diretamente ligada ao aspecto econômico. Trabalhadoras informais (47,8% das mulheres negras do Brasil, IBGE 2019) estão na linha de frente das profissionais impactadas pela paralisação econômica – e fragilidade da retomada. Enquanto muitas mulheres são chefes de família, restaram a elas dois cenários igualmente vulneráveis: a exposição à contaminação pelo vírus e a busca pela renda, ou o isolamento e as consequências do desemprego e da ausência de renda.

A situação de violência e vulnerabilidade econômica deixa claro a necessidade de uma dimensão feminista e de gênero em todas as respostas a serem dadas nesta pandemia. A pesquisa “Heliópolis contra o coronavírus”, realizada pelo Observatório de Olho na Quebrada, mostra que as famílias com menor renda são as mais prejudicadas pela pandemia do novo coronavírus. As iniciativas da UNAS, União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região, constituem um esforço importante para compreender as necessidades da população da Cidade Nova de Heliópolis e prover informações e estratégias consistentes diante da situação.

De acordo com o relatório, ao menos 80% das famílias que vivem com até dois salários mínimos por mês, perderam a renda durante a pandemia. Em meio à crise da pandemia, moradora do bairro, Salete Barboza, de 48 anos, é autônoma, moradora do bairro com a esposa, que está desempregada, e a enteada de 6 anos. Salete é uma das 64 costureiras participantes do movimento “Heróis Usam Máscaras”, iniciativa conjunta entre a UNAS e os bancos Bradesco, Itaú e Santander.

Com recursos doados pelos bancos para apoiar a produção de máscaras de tecidos para serem entregues a órgãos de saúde e comunidades vulneráveis durante a pandemia, o grupo trabalha por oito horas com remuneração de R$100 por dia. Cinquenta delas trabalham de casa e outras quatorze, que não têm máquina de costura, trabalham em uma carreta, localizada no Centro Educacional Unificado – CEU Heliópolis.

Para ela, o projeto caiu como uma mão na roda. “Antes de começar a costurar eu já estava em desespero sem saber como ganhar dinheiro para sustentar a casa e pagar as contas no fim do mês. Agora, eu me acalmei e estou rezando para que isso passe logo e tudo possa se normalizar”, afirma Salete. Para Matilde Almeida, de 44 anos, moradora de Heliópolis e costureira há 26 anos, o projeto é de grande importância: “é muito triste o que estamos vivendo, não estou contando com o dinheiro, nesse momento o que podemos fazer é prevenir, pois ainda não existe um remédio. Estou aqui, pois meu trabalho pode ajudar, podemos salvar vidas!”.

Em Heliópolis, outro grande aliado ao combate à violência doméstica é o Centro de Defesa e Convivência da Mulher – Sônia Maria Batista, uma conquista em políticas públicas para a região. O serviço é fruto da parceria entre a UNAS e a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social e oferece atendimento social, psicológico, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência doméstica e em situação de vulnerabilidade social O centro disponibiliza condições para o fortalecimento de sua autoestima e autonomia pessoal e social para a superação da situação de violência.

Nesse contexto extraordinário de pandemia, é necessário e urgente que o Estado desloque recursos suficientes para responder às necessidades das mulheres e das meninas, aumentar a atenção à escalada das violências as que elas podem estar sujeitas; que mais mulheres estejam envolvidas diretamente e participando ativamente em todas as fases de resposta nas tomadas de decisão relativas à esta pandemia, em níveis locais, estaduais, regionais, nacionais e internacionais.

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Matéria escrita por Gabriela André como parte da nossa iniciativa Seja Uma Autora, responsável por fomentar e ampliar a diversidade de vozes, pautas e pontos de vista no Modefica.

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