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Olhares Negros, de bell hooks, Pode Ajudar a Moda a Refletir Sobre Seu Racismo

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Texto
  • Marina Colerato
Imagens

Reprodução

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Gloria Jean Watkins começou a escrever ainda na faculdade e teve seu primeiro livro, Ain’t I a Women, publicado em 1981. Téorica feminista negra, que escreve sob o pseudônimo de bell hooks (assim mesmo, tudo minúsculo), numa referência à sua avó, já publicou mais de 30 livros e dezenas de artigos acadêmicos sobre as relações de gênero, raça e classe, mais especificamente sobre como essas relações são usadas para garantir a perpetuação dos sistemas de opressão.

Mas há algo particularmente importante no trabalho da autora para quem trabalha constantemente para subverter a moda, e a imagem de moda, com objetivo de alcançar transformação de mentalidade e construção de novos mundos: uma análise história e uma crítica precisa às narrativas imagéticas – principalmente na literatura, na música, na televisão e, sobretudo, no cinema – a partir da negritude e da branquitude, sugerindo uma intervenção radical na forma como nós falamos de raça e representação.

“Muitos expectadores e expectadoras […] resistem à ideia de que imagens têm uma intenção ideológica. Isto é igualmente verdade para o público negro. Uma interrogação crítica feroz é, às vezes, a única forma para furar a parede de negação construída pelos consumidores de imagens como forma de não encarar que o mundo real da criação de imagens é político – que a política de dominação informa a maneira como a grande maioria das imagens que consumimos são construídas e comercializadas”, explica a autora na introdução de Black Looks: Race and Representation, recém publicado em português pela Editora Elefante sob o título “Olhares Negros: Raça e Representação”.

Nascida em 1952, numa família da classe trabalhadora, cresceu numa cidade rural do estado de Kentucky, no sul dos Estados Unidos e viveu a segregação racial ainda menina. É por isso que muito da experiência da autora, e sua capacidade ímpar de observar o mundo que a cerca, perpassa seus escritos teóricos. Numa sociedade capitalista inundada por imagens – do cinema à publicidade – como a norte-americana, hooks teve um material extenso para observar, analisar, criticar e imaginar narrativas alternativas.

Publicado pela primeira vez em 1992 e relançado em 2015 nos EUA, a autora, “Olhares Negros” é, para a autora, “um livro que eu desejaria de todo o coração que já não fosse relevante. Se fosse assim, uma significativa revolução de valores teria acontecido em nossa sociedade, e então não seríamos mais bombardeados por imagens profundamente negativas do que é ser negro: imagens que atacam a psique de todos. […] Embora muitas pessoas negras tenham se tornado produtoras, diretoras e roteiristas, muito do que elas produzem segue os mesmos padrões da cultura dominante imperialista, supremacista branca, capitalista e patriarcal”.

A mercantilização da negritude criou um contexto social em que a apropriação por pessoas não negras da imagem negra não conhece fronteiras.

bell hooks

Infelizmente Olhares Negros é mais atual do que nunca numa sociedade que segue perpetuando racismo por meio de imagens. O episódio mais recente, que deu um merecido cachoalhão numa das mais importantes revistas de moda do Brasil, é apenas um de uma sequência initerrupta que prova o quanto estamos distantes de uma sociedade onde os escritos de hooks sejam obsoletos.

“A mercantilização da negritude criou um contexto social em que a apropriação por pessoas não negras da imagem negra não conhece fronteiras. E se as muitas pessoas não negras que produzem imagens ou narrativas críticas sobre negritude e negros não interrogam sua perspectiva, então eles podem simplesmente recriar o olhar imperial – o olhar que procura dominar, subjugar e colonizar. […] As formas de olhar devem ser fundamentalmente alteradas. Elas devem ser capazes de envolver-se na luta militante pelos negros para transformar a imagem. Como uma intervenção radical, devemos desenvolver atitudes revolucionárias sobre raça e representação”.

As indústrias criativas e culturais, para além de perpetuar racismo nas imagens, também continuam se apropriando da negritude de forma desrespeitosa, sem um engajamento real com a luta anti-racista e sem ao menos questionar seu papel, importância e responsabilidade. Para a indústria da moda parace ainda mais difícil aprender com seus repetidos erros e mudar a linguagem que oprime mulheres. Mas encarar os fantasmas é a única forma de transcender as estruturas atuais.

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