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Politicamente #11: O Mapa de Violência Contra os Povos Indígenas e a Política Brasileira

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O Politicamente Incorreto… E Ambientalmente Também é o podcast mensal sobre política e meio ambiente do Modefica. Marina Colerato, editora do site, conversa com pessoas convidadas sobre as convergências entre Brasília e meio ambiente, levantando o que está acontecendo de mais importante em se tratando do tema. Ouça no SpotifyiTunes, Deezer ou no seu player preferido.


O Politicamente Incorreto… E Ambientalmente Também está de volta com um tema que parece dominar as nossas notícias, não importa em qual época do ano estejamos: a violência contra os povos indígenas. Trazemos pra vocês um resumo do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, com dados de 2019, que foi produzido pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário). Nesse episódio, conversamos com Gilberto Vieira dos Santos, Mestre em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe e Conselheiro do Cimi Regional Mato Grosso, e Alessandra Munduruku, ativista indígena que recebeu recentemente o prêmio Robert F. Kennedy de Direitos Humanos 2020, pelo seu trabalho em defesa da cultura e pela demarcação de territórios dos povos indígenas.

No momento áudio, Flávia Ribeiro, jornalista e consultora para equidade de gênero de raça, explica a importância da lista de personalidades negras da Fundação Palmares para nossa sociedade e o que Sérgio Camargo, presidente da fundação, tenta apagar quando retira nomes como Marina Silva, Benedita da Silva e Zumbi dos Palmares da lista.

Estamos no fim do segundo ano da política anti-indigenista, anti-ambientalista e anti-humanista do Governo Bolsonaro, então não surpreende que a lista de violações aos direitos indígenas desse relatório seja longa e os números, infelizmente, saltaram em 2019. Mas vamos do começo, explicando como esse mapa é feito: anualmente, o CIMI reúne informações de todas regionais para contabilizar e qualificar a violência contra os povos originários, mas também para revelar casos de exploração ilegal de madeira, desmatamento e invasão possessórias. São diversas violações, divididas em 5 capítulos, sendo eles: a violência contra o Patrimônio; Violência Contra a Pessoa; Violência por Omissão do Poder Público e Violência Contra os Povos Indígenas Livres e de Pouco Contato.

O capítulo cinco é uma reflexão sobre conceitos de negação dos direitos indígenas: a integração do índio, a tutela e o vazio demográfico. Essa edição também apresenta artigos sobre temas específicos que, segundo o relatório, “estimulam a compreensão dessa complexa e violenta realidade enfrentada pelos indígenas em todo o Brasil”.

Algumas questões abordadas no documento já são bem conhecidas por nós: como a intensificação das expropriações de terras indígenas, forjadas por meio de invasão e as queimadas da Amazônia e do Cerrado. Isso fez com que 16 das 19 categorias de violência sistematizadas sofressem aumento de casos. A categoria “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio”, em especial, chama atenção pelo aumento expressivo: em 2018, foram 109 registros, e em 2019, 256.

Ao longo do episódio, damos os números completos e exemplos de casos, de capítulo a capítulo. Para agregar na conversa, Gilberto nos explica como funciona a coleta de casos nas 11 regionais e na secretaria nacional do CIMI. Ele afirma que, infelizmente, o levantamento ainda carece de uma maior cobertura e que não é um retrato fiel da realidade. Mas o conselheiro também frisa a contínua luta para dos povos indígenas para defender seu território e destaca o Guardião da Floresta, Paulo Paulino Guajajara, que foi morto em 1º de novembro – o ativista também ganhou destaque na publicação. “O relatório busca ser um instrumento de visibilidade dessas violações e violências. É também um instrumento de fortalecimento das ações de defesa dos direitos desses povos cujos principais protagonistas, são, justamente, os próprios povos indígenas”, explica.

Marina também pergunta sobre como o CIMI trata as questões de violência de gênero e o conselheiro aprofunda um pouco as diversas situações vividas pelas mulheres, como no atendimento precário na saúde, no assédio sexual. Também é levantado os ataques extremos sofridos pela política indigenista, promovidos por ações de desconstrução do atual governo. Gilberto classifica as conquistas políticas feitas pelos povos indígenas como “políticas públicas que foram construídas a preço de sangue” e adverte sobre a importância da sociedade em momentos de decisões políticas, como as eleições municipais 2020: “temos em várias regiões do país prefeitos que a prefeitura entra com processos judiciais contra os povos indígenas”. Para o conselheiro, é necessário que o cidadão se atente ao histórico do candidato antes de confiá-lo seu voto.

 

A resistência de mais de 520 anos

Nesse episódio também conversamos com a ativista indígena Alessandra Munduruku sobre as diversas ameaças sofridas – e intensificadas nos últimos anos – pelos povos indígenas e como tem sido feita sua resistência e articulação nesse ano de pandemia. Para Alessandra, a ameaça vem por ar, terra, madeireira, garimpo, grandes projetos de hidrelétrica. Os povos indígenas lutam indo à Brasília discutir com políticos, nos protocolos de demarcação, na auto demarcação – eles estão sempre nesse movimento de sair de casa e chegar aos tomadores de decisão para defender seu território.

Alessandra aponta que o território não é só o limite que o governo acha que tem. “O limite é maior, (é) onde vai caçar, onde vai pescar, onde vai atrás de fruta, da semente, da raíz, então, o território se torna muito maior”, afirma. A ativista aponta que, desde suas promessas de campanha de Jair Bolsonaro de não demarcar nenhuma terra indígena, os povos indígenas já haviam percebido que o governo com esse comando não seria bom. Os líderes políticos não escutam as exigências indígenas, mas Alessandra é firme na sua fala: “resistimos mais de 520 anos, não vai ser quatro anos que vai nos matar totalmente. Ele pode até negar nossos direitos, a nossa terra, o direito ao rio, mas a gente vai lutar e persistir sempre”.

N conversa, ela também explica como os ataques do governo, sejam pelas falas de incentivo do presidente, sejam pelo sucateamento dos órgãos ambientais, foi sentido no dia a dia. A ajuda, na época da Covid-19, também não veio do governo. “Se nós tivesse sentado e esperado, nosso povo tinha morrido”, conta. Mas, mesmo com toda movimentação de vaquinhas online, pedidos, distribuição de materiais de limpeza, álcool em gel e máscaras, a perda de vidas indígenas foi grande e deixou marcas: “eu perdi tio, perdi caciques”.

Alessandra embala explicando como muitos que ficaram nas aldeias se curaram, como os que foram para a cidade perderam a vida, e também divide um pouco conosco como foi a experiência de ter sua casa invadida em novembro de 2019: “foi mais dolorido quando meu filho me abraçou e disse: ‘mãe, eu não quero que te matem’”. A perseverança na luta veio com o apoio de outras lideranças indígenas e ela defende que irá continuar defendendo seu território.

Por fim, Marina pergunta como nós, não indígenas, podemos contribuir nessa luta e a ativista é clara: precisamos aprender sobre eles, escutá-los e respeitar seus direitos. O governo os nega, a Funai (Fundação Nacional do Índio) os nega. Cansados de irem atrás do Estado, eles procuram ONGs e indivíduos que estão dispostos a trazer projetos para dentro do seu território, a escutar suas necessidades. Marina finaliza pontuando que é muito importante que nós aprendamos sobre o cenário real da ameaça, pois a comida, o território em si estão cada vez mais sufocados e contaminados pelos interesses econômicos do Estado e de seus aliados e é nosso dever, como sociedade, não permitir que as coisas se agravem.

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