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Tendo isso em vista, a filósofa Karen J. Warren identifica na literatura ecofeminista várias interconexões entre mulheres e natureza, sendo uma delas a espiritual, para a qual as espiritualidades e os símbolos feministas são essenciais para o ecofeminismo 1WARREN, Karen. Ecofeminist Philosophy: A Western Perspective on What It Is and Why It Matters. Rowman & Littlefield Publishers, 2000, p. 31. Por esse motivo, essa corrente é entendida como essencialista e, embora lhe sejam dirigidas críticas, Warren defende que a espiritualidade ocupa um lugar importante no ecofeminismo.
A crítica geralmente se direciona ao fato de que a espiritualidade é algo relacionado com a religião ou a teologia, portanto algo pessoal e da esfera privada, isto é, fora do âmbito da política 2 WARREN, Karen. Ecofeminist Philosophy, p. 193-194.. Ainda que concorde parcialmente com essa crítica ao essencialismo, Waren defende que as espiritualidades ecofeministas devem ser levadas em consideração por alguns motivos. Primeiro, porque historicamente as espiritualidades desempenharam um papel importante no desenvolvimento político ecofeminista. O movimento Chipko na Índia, por exemplo, fundamentava-se em concepções tradicionais baseadas na espiritualidade mas teve impactos políticos, socioeconômicos e ambientais na preservação das florestas. Do ponto de vista ético, as espiritualidades ecofeministas consideram questões importantes sobre a relevância de sistemas simbólicos e valores e, conceitualmente, levantam questões importantes sobre a conexão e as experiências concretas entre as mulheres e a natureza 3WARREN, Karen. Ecofeminist Philosophy, p. 194..
Além disso, para Warren, a perspectiva espiritualista requer que teóricas ecofeministas que não pertencem a grupos oprimidos se comprometam com cuidado e humildade metodológica ao criticar as praticantes espirituais que são integrantes de grupo oprimidos 4WARREN, Karen. Ecofeminist Philosophy, p. 194.. Ou seja, novamente percebemos a necessidade de pensar as mulheres não como um sujeito abstrato e “desinteressado”, quando na verdade os feminismos criticam justamente isso: somos seres relacionais e contextualizados. Ignorar que muitas mulheres incorporam visões espiritualistas de mundo poderia incorrer no erro que criticamos. A ética sensível ao cuidado pode nos dar pistas de como lidar com essas diferenças.
Warren entende que os mitos, rituais, símbolos, linguagem e sistemas de valor das espiritualidades ecofeministas têm um compromisso com a eliminação do privilégio e poder dos “de cima” sobre os “de baixo” (homem/mulher, por exemplo) e, portanto, devem ser reconhecidos também como feministas, na medida em que se comprometem com a abolição do sexismo. São também práticas ecofeministas, a partir do momento no qual expressam compromisso em desafiar as conexões preconceituosas entre mulheres e natureza, em favor de práticas sensíveis ao cuidado. Nesse sentido, suas práticas são contrárias à manutenção dos “ismos” de dominação, ou seja, além de a prática da espiritualidade ecofeminista não ser simplesmente uma prática individual ou privada, ela tem um contexto público e político 5 WARREN, Karen. Ecofeminist Philosophy, p. 198..
A partir daí, Warren caminha para um concepção de espiritualidade não transcendental, que se remete ao poder, ao empoderamento e à não violência, tendo em vista que, para ela, o poder não é intrinsecamente positivo ou negativo, mas em contextos de opressão, como no machismo, o poder é usado ilegitimamente 6WARREN, Karen. Ecofeminist Philosophy, p. 199.. Novamente exemplificando a partir do movimento Chipko, a espiritualidade aparece como alternativa à violência 7 WARREN, Karen. Ecofeminist Philosophy, p. 201..
Cuidar de si ou dos outros “envolve ousar ver nossos pontos em comum com ‘o outro’ que é diferente de nós.
Afinal, talvez seja possível compreender as espiritualidades ecofeministas para além da espiritualidade transcendental, relacionada a alguma religião ou a uma concepção essencialista mas à questões históricas, políticas e éticas, na qual o empoderamento das mulheres e a não violência são fundamentais. Assim, esse cuidado ao qual Warren se refere pode ser visto em uma acepção política, de cuidado com a “saúde” das instituições, que, “adoecidas”, oprimem. O cuidado têm o potencial de desnaturalizar a opressão e sair da esfera do cuidado somente de si, para o cuidado do outro e das instituições, isto é, o cuidado político com as práticas institucionalizadas 8WARREN, Karen. Ecofeminist Philosophy, p. 211-212..
Ecofeminismo: Mulheres e Natureza é um série de artigos que busca discutir a importância da conexão das mulheres com os seres não-humanos e o meio-ambiente. A série tem como objetivo abordar as questões éticas e morais, além das questões culturais, sociais e econômicas relacionadas ao feminismo, veganismo e ecologia. Veja todos os artigos da série aqui.