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A Importância das Políticas Públicas Para Sustentabilidade na Moda

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  • Marina Colerato
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Falar de sustentabilidade na moda exige olharmos para além da indústria em si e enxergar como as condições do campo, ou seja, do ambiente político, econômico e social, podem facilitar ou dificultar a promoção de transformações sistêmicas rumo a uma indústria mais justa e sustentável. Entender essas correlações possibilita encontrar outras formas de atuação para sustentabilidade. Criar, promover e incentivar políticas públicas favoráveis à mudança é um assunto por vezes subpautado na moda, mas, por seu caráter multisetorial e de alto impacto, se torna um espaço de atuação necessário e que não pode ser deixado de fora deste debate.

Um exemplo efetivo dessa afirmação, que impactou positivamente a indústria da moda brasileira, é o cadastro de empregadores flagrados utilizando mão de obra em condições análogas à escravidão, popularmente conhecido como Lista Suja. Criado em 2003 por meio da portaria 540 do então Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), é uma ferramenta importante não só por questões de reputação, como também por impedir que empresas e proprietários incluídos na lista recebam financiamento público. Dessa forma, a Lista Suja dificulta as operações de quem está nela e faz com que outras empresas não queiram entrar na lista.

A Lista Suja não foi criada por meio de um projeto de lei, e sim por uma portaria ministerial. Isso ajuda a exemplificar a amplitude do tema e explicar o que são políticas públicas: leis, normas e regulamentações editadas pelo poder público encarregadas de reger sistemas com diversos públicos de interesses, no qual setores, como o da moda, operam. Em primeiro momento, podemos lembrar apenas do Poder Legislativo quando pensamos em políticas públicas. Em âmbito federal, ele é exercido pelo Congresso Nacional, composto pelo Senado e pela Câmara dos Deputados, e responsável por organizar as leis da União.

Criar, promover e incentivar políticas públicas favoráveis à mudança é um assunto por vezes subpautado na moda, mas, por seu caráter multisetorial e de alto impacto, se torna um espaço de atuação necessário e que não pode ser deixado de fora deste debate.

Mas os locutores deste meio são diversos, como o Poder Executivo – formado pelo Presidente da República, ministérios, governadores, prefeitos e suas sub-repartições – também responsável por emissão de decretos; as agências reguladoras, como, por exemplo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa ), por meio de instruções normativas; o Supremo Tribunal Federal (STF) e outras instâncias do Poder Judiciário.

Todos esses atores são responsáveis por influenciar diretamente mudanças sistêmicas com a implementação de políticas públicas, que de diversas formas dialogam com a indústria da moda, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a Lei da Migração e a própria Lista Suja, responsáveis por abranger diversos setores e promover transformações profundas na sociedade.

Caminhos para uma indústria mais justa e horizontal

Para que uma política pública seja efetivada é importante que ela represente o maior número de pessoas e grupos de interesse da sociedade possível. A Lista Suja é uma boa referência, pois articula diversos setores em torno de uma pauta muito transversal, como condições de trabalho. Dessa forma, quando falamos de políticas públicas para fomentar sustentabilidade na indústria da moda, é importante olharmos para problemáticas que são capazes de ultrapassar as barreiras setoriais. Transparência, emissões de carbono, questões de trabalho, geração de resíduos são desafios socioambientais que perpassam diversos outros setores, significando que atuar sobre eles pode gerar respostas mais rápidas e eficazes.

Fábio Almeida, gerente da área de Desenvolvimento Institucional e de Redes do Instituto C&A, entende que a acirrada concorrência do setor limita a adoção de práticas socioambientais avançadas pelas empresas, que possam resultar em redução de suas margens operacionais: “se o mercado não tem incentivo para promover práticas mais sustentáveis, muito provavelmente as empresas não as adotarão”, reforça, “mas você pode criar instrumentos para garantir, por meio de regulação, que o setor como um todo tenha que se adaptar a um novo ambiente competitivo”, explica ele. Estes mecanismos, associados a uma crescente valorização de produtos mais sustentáveis pelos diferentes mercados consumidores, possuem um grande potencial de transformar a rede produtiva da moda no Brasil.

Enxergar convergência entre diversos segmentos possibilita também uma atuação conjunta com outras organizações. É assim que a Rede Colaborativa de Advocacy (RAC), iniciativa da Fundação Avina, atua com sua agenda de políticas públicas. O grupo surgiu em 2014, com a proposta de formular uma agenda para as eleições daquele ano. Com as mudanças do cenário político, o grupo percebeu a importância de se somar a outras organizações para realizar ações mais coordenadas. Para entender como promover essas ações, a RAC traçou uma estratégia junto com outras ONGs: “A articulação faria sentido se gerasse uma espécie de compartilhamento de recursos, ou seja, que nós pudéssemos fornecer algum tipo de apoio à incidência offline das organizações”, conta Glaucia Barros, Diretora Programática da Avina.

O apoio da RAC aos demais grupos vem por meio de inteligência de dados, compartilhamento de ferramentas, conhecimento sobre advocacy e lobby 1Advocacy é entendido como sinônimo de defesa e argumentação em favor de uma causa. É um processo de reivindicação de direitos que tem por objetivo influir na formulação e implementação de políticas públicas que atendam às necessidades da população. Já lobby é atividade de influência, ostensiva ou velada, de um grupo organizado com o objetivo de interferir diretamente nas decisões do poder público normalmente por parte de empresas defendendo os próprios interesses. . Desde 2018, a RAC é apoiada pelo Instituto C&A para fortalecer a base de compartilhamento de recursos, comunicação estratégica e mobilização, para criar uma incidência objetiva junto ao legislativo.

Se o mercado não tem incentivo para promover práticas mais sustentáveis, muito provavelmente as empresas não as adotarão, mas você pode criar instrumentos para garantir, por meio de regulação, que o setor como um todo tenha que se adaptar a um novo ambiente competitivo.

Fábio Almeida

Desenvolvimento socioambiental; direitos humanos; transparência e integridade; e legislações e controles com relação à uma economia de baixo carbono são as principais agendas da RAC. O grupo, composto de cerca de sessenta organizações, atua de diversas formas, seja dentro do Congresso – conversando com parlamentares ou participando de audiências públicas – ou produzindo notas técnicas e articulando organizações da sociedade civil. “Uma incidência bem-sucedida que tivemos no Senado foi convencer a Comissão de Meio Ambiente a fazer um monitoramento das políticas com impacto no clima no Brasil. Isso é bem convergente aos interesses da indústria da moda, quando vemos empresas que colocam a sustentabilidade no centro do seu negócio”, afirma Glaucia.

A rede já atuou para barrar a aprovação de agrotóxicos, identificar pontos de trabalho análogo à escravidão e promover políticas afirmativas para mulheres e comunidade LGBT+. “Esta é uma pauta inspirada pelo Instituto C&A que estamos trabalhando em três níveis: capacitação, inteligência de dados e mobilização/comunicação”, reforça.

Como articular as Políticas Públicas no atual cenário político brasileiro

Na atual conjuntura política, encontramos, tanto no Poder Executivo quanto nas bases parlamentares, uma intenção de flexibilização da legislação de licenciamento ambiental, além do sucateamento de órgãos ambientais como o ICMBio e Ibama e da censura a órgãos de produções de dados, como o INPE. Há também sinais de ameaça à Lista Suja e a outros incentivos de promoção ao trabalho digno. Nos últimos quinze anos, a portaria segue sendo alvo de ataques de entidades representativas de setores como o agronegócio e construção civil. Os números de fiscalizações caem a cada ano e, por conseguinte, o número de pessoas resgatadas: em 2007, cerca de seis mil trabalhadores foram resgatados, já em 2017, o número foi de 341. Em uma década, a quantidade caiu 95%.

Neste momento, organizações da linha de frente estão fortalecendo suas ações nas casas legislativas. “Hoje, realmente, é o espaço que a gente consegue vislumbrar. Não que estejamos conseguindo penetrar muito, mas é onde há essa possibilidade”, explica Glaucia. Para a diretora, existem muitos atores que tem uma inteligência para perceber que uma árvore de Copaíba vale mais em pé do que deitada, além do papel dos mercados internacionais em fomentar ou boicotar produtos a depender de sua origem e risco ambiental.

Dado o contexto federal, é importante olhar também para os âmbitos estaduais e municipais. Leis locais e estaduais têm suas limitações, frente às de nível nacional, mas não deixam de ser fundamentais. “Em muitos casos a atuação se dá no âmbito federal, que, além de ter o potencial de estabelecer uma linha de base para atuação da indústria em todo país, é particularmente crucial para as questões trabalhistas, que estão entre os maiores desafios do setor”, ressalta Fábio. “Em áreas do direito onde a competência é concorrente 2 Competência que se exerce simultaneamente sobre mesma área por mais de uma autoridade ou órgão , como no caso do direito ambiental, as três instâncias de poderes podem legislar juntas e sempre valerá a lei mais restritiva”, completa.

Outro ponto crucial para a promoção de políticas públicas é a conscientização da sociedade e a pressão exercida sobre seus representantes. “Nós vemos, por exemplo, o Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, falando ‘vamos para a Europa conversar com o parlamento europeu para garantir que não iremos passar nenhuma lei no Congresso Brasileiro que aumente a destruição ambiental’. Isso é resultado direto da mobilização social gerada pelo aumento das queimadas na Amazônia e sua repercussão no Brasil e no exterior”, explica Fábio.

Para Glaucia, furar a bolha do espectro das organizações que compõem a RAC e promover uma comunicação mobilizada, tanto com a sociedade quanto com grupos de base, ainda é um grande desafio. “É importante que nós consigamos fazer essa tradução, explicando de forma sensível e didática ao cidadão comum o que a lei do agrotóxico, por exemplo, significa para o seu prato e pro agricultor que está exposto todos os dias a essas toxicidades”, explica. Fazer essa ponte e conscientizar a população é uma forma, inclusive, de fazer pressão de base nos parlamentares.

Não é possível pensar em transformação na indústria da moda sem considerar a importância e impactos das políticas públicas e no fortalecimento do diálogo entre sociedade civil e poder público. Dessa forma, quando falamos sobre políticas públicas, falamos também sobre o quanto diversificar a atuação dos atores dentro da indústria da moda é crucial para pavimentar o caminho para promoção de mudanças sistêmicas e sustentabilidade real.

Instituto C&A e Modefica se uniram para uma série de pautas que mostram o que está acontecendo no Brasil no âmbito de inovação, tecnologia e colaboração na indústria da moda. Convidamos nossas leitoras e leitores a refletirem sobre os desafios, conhecer e chegar junto às soluções. Não perca as próximas publicações, se inscreva na nossa newsletter. Desde janeiro de 2020, o Instituto C&A passou a operar com o nome de Laudes Foundation. Para mais informações acesse www.laudesfoundation.org.
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