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Conheça o Trabalho de 3 Organizações Para Fomentar a Transparência na Moda

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  • Marina Colerato
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Time Modefica

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“A exigência por transparência torna-se realmente aguda quando já não há mais confiança”. A frase do filósofo contemporâneo Byung-Chul Han, em seu livro Sociedade da Transparência (2017), nos mostra que pode ser um erro falar de transparência sem resgatar o por quê nos tornamos tão ávidos por ela em primeiro lugar - principalmente quando falamos da indústria da moda. Depois de uma série de casos expondo o funcionamento da rede produtiva da moda no mundo, com condições precárias de trabalho e violações de normas ambientais básicas, nos tornamos incapazes de confiar na palavra das empresas e passamos a exigir a criação de mecanismos de controle e comprovação.

O Índice de Transparência na Moda (ITM), criado em 2016 pela movimento Fashion Revolution, e que chegou ao Brasil em 2018 pelo braço brasileiro da organização, é um destes mecanismos e talvez um dos mais conhecidos atualmente. Eloísa Artuso, responsável pelo ITM no Brasil, afirma que “a transparência leva a uma prestação de contas e à responsabilização de diferentes atores ao longo da cadeia produtiva”. A edição 2019 do índice nacional acabou de ser lançada e analisa os níveis de disponibilização de dados públicos de trinta marcas com perfis e tamanhos variados como Riachuelo, Melissa, Hering, Les Lis Blanc, TNG, Torra, C&A.

O trabalho conta com uma metodologia própria e é feito junto com as marcas, o que significa que as empresas têm a oportunidade de participar do processo e aprender com ele. “As marcas participantes do ITM em 2018 no Brasil tiveram um aumento de 38% na divulgação de informações quando comparado com 2019. A inclusão destas marcas no Índice de Transparência faz com que elas passem a divulgar melhor, de maneira mais organizada e mais detalhada as informações que, muitas vezes, elas já têm”, constata Eloisa.

No final do relatório que inclui o ITM é possível encontrar sugestões do que atores diversos podem fazer com as informações em mãos e para fomentar mais transparência por parte das marcas. “Do ponto de vista dos cidadãos, continuar perguntando ‘quem fez minhas roupas?’ e a gente sabe que isso não é o suficiente, é só o primeiro passo, a porta de entrada. Mas essa pergunta acaba abrindo espaço entre marcas e consumidores”, explica Eloisa. Ela também afirma que o índice pode servir como ferramenta de diálogo e pressão frente ao poder público: “que tipo de pressão você pode fazer, por exemplo, frente ao governo para exigir melhorias, exigir mudanças? […] para que o poder público possa criar uma agenda de campanhas de políticas públicas, ou responsabilizar legalmente marcas que tenham problemas em suas redes produtivas?”. Para legisladores, o ITM serve para entender o nível de transparência das organizações e quais políticas públicas devem ser implementadas ou aprimoradas para exigir mudanças.

O relatório olha para informações divulgadas em 5 grandes áreas: políticas e compromissos; governança; rastreabilidade; conhecer, comunicar e resolver e tópicos em destaque. Das trinta marcas analisadas, 16 delas pontuaram no pior nível, entre 0 a 10%, enquanto nenhuma chegou nos três melhores níveis, entre 71 a 100%. Eloisa explica que há duas categorias onde as marcas têm maior dificuldade de pontuação: conhecer, comunicar e resolver e tópicos em destaque: “o que acontece, normalmente, é que as marcas pontuam, tanto aqui quanto no índice global, muito melhor na primeira seção, sobre políticas e compromissos. Então, elas conseguem falar muito mais sobre suas políticas, valores, do que elas conseguem comunicar o que está sendo monitorado e o que elas estão fazendo, de fato, na prática”.

O papel da academia

Uma pesquisa feita pela Rede Transparência e Sustentabilidade em Negócios, da Coppead, Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da URFJ, e publicada parcialmente em 2019, sistematizou a percepção de 120 marcas, majoritariamente de grande porte, sobre suas práticas de transparência nas áreas sociais e ambientais. Os resultados se sobrepõe à dificuldade destacada pelo ITM: “o impacto social e o impacto ambiental aparecem como dois dos três maiores riscos nas cadeias produtivas das empresas participantes. Elas reconhecem a necessidade de controle e monitoramento desses riscos, mas, ao mesmo tempo, elas se autoavaliam com baixo nível de controle em todos eles e assumem que têm um controle muito maior sobre critérios econômicos”, explica Leonardo Marques, Coordenador do Centro de Inovação e Sustentabilidade da Coppead. “Elas também assumem que não têm quadros qualificados o suficiente para avançar nestes tipos de análises”.

Simplesmente replicar as ferramentas utilizadas na esfera econômica para questões socioambientais não funciona porque são áreas mais complexas, amplas e com muito mais nuances. Há uma enorme dificuldade em definir parâmetros para mensurar resultados. Para Leonardo, essa questão é latente, principalmente para as grandes empresas: “por outro lado, você tem startups que já nascem com preceitos de transparência e orientações socioambientais muito bem definidas, mas elas são menores e têm grande dificuldade de serem notadas”. Ao mesmo tempo, investidores não têm critérios sólidos de sustentabilidade aos quais recorrer para fazer investimentos certeiros e as certificadoras trabalham num âmbito de concorrência, o que, muitas vezes, gera confusão para o público. No topo de todos estes desafios, a legislação brasileira permite às empresas darem passos mais lentos em se tratando de assumir compromissos com a transparência.

“A gente usa esse olhar de múltiplos atores para entender essa rede e entender, enquanto academia, como podemos fomentar encontros e desatar nós. Porque existem partes isoladas querendo fazer movimentos, mas elas não estão conseguindo se conectar”, explica o pesquisador, que conduz o trabalho na Coppead há 5 anos. No final de 2018, com o apoio do Instituto C&A, Leonardo conseguiu formar a cátedra de estudos sobre Transparência em Redes de Suprimentos e dar maior robustez ao projeto, abrindo mais frentes de trabalho, para endereçar os desafios postos. Hoje, são 12 pessoas, de vários níveis de senioridade, olhando para cinco sub-linhas de pesquisa: transparência mandatória; transparência voluntária; visibilidade e rastreabilidade; diversidade e inclusão e investimento de impacto. O projeto também apresenta resultados das pesquisas e estudos frequentemente porque há uma preocupação em estar em contato constante com a sociedade.

Para Leonardo, a academia tem um papel fundamental de propor, questionar, construir e provocar a sociedade a refletir sobre as coisas que precisam avançar. Ele também enxerga a necessidade de um diálogo maior com o poder público: “a gente fez um comparativo com a legislação brasileira de transparência com países mais icônicos, como a França, a Austrália, e a legislação Californiana. Então, fica claro que a gente poderia avançar. Certamente, a legislação é um dos principais fatores, senão o principal, mas há outros fatores que precisam ser trabalhados também”, finaliza.

Trabalho de base

Outra referência no Brasil quando falamos de transparência é o Instituto Alinha, que vem fazendo, há seis anos, um trabalho de base com o elo considerado o mais fraco do setor, responsável por empregar milhões de trabalhadoras e trabalhadores: a confecção. “O Instituto Alinha trabalha há alguns anos assessorando pequenas oficinas de costura para garantir que elas tenham um mínimo da legislação trabalhista, de regulamentação e formalização, saúde e segurança do trabalho para que, depois de assessoradas e em um patamar mínimo de regularização, elas possam ser conectadas com marcas e estilistas que estão buscando já produzir de uma forma diferente e garantir condições justas de contratação”, explica Dariele Santos, diretora e fundadora da Alinha.

Em 2019, com o apoio do Instituto C&A, a ONG conseguiu implementar o blockchain para rastrear roupas e criar uma etiqueta que mostra onde, como e por quem a peça de roupa foi produzida, algo que, até onde sabemos, é inédito não só no Brasil, mas em toda a América Latina. Porém, ser pioneira tem seus contras: “o projeto levou o dobro do tempo do que estava planejando. Era para termos lançado em 2018, mas só conseguimos lançar este ano, por conta destes desafios na hora de implantar as tecnologias. Foi um trabalho de conversar com os usuários para entender o que fazia sentido, o que não fazia”, explica a fundadora. “Desde então, temos enfrentado outros desafios, por exemplo, como a gente faz para essa tecnologia, que é tida como super complexa, ser algo simples e entendível para pessoas que não lidam com tecnologia, que precisam aplicar isso como uma ferramenta do dia a dia?”. No momento, apenas empresas cadastradas na plataforma da Alinha podem utilizar o serviço, sem nenhum tipo de custo adicional. Atualmente, das 19 marcas que utilizam a plataforma, 6 estão fazendo uso do blockchain.

Mudar o ângulo de visão e a narrativa tem sido a estratégia. Ao invés de focar no que é o blockchain e como ele funciona, olhar para o porquê ele existe e é importante. “O blockchain existe para contar histórias”, ressalta ela. Nessa trajetória de mais de meia década trabalhando com oficinas informais, ela afirma que as condições mais precárias encontradas por ela e sua equipe foram nas oficinas invisibilizadas por um sistema complexo e cheio de intermediadores. Para Dariele, o blockchain é uma ferramenta bastante única para promover transparência junto com transformação destas condições ao acessibilizar o mercado formal para as oficinas e o processo produtivo para a sociedade: “transparência e rastreabilidade estão juntas. Não tem como você garantir transparência se você não tem uma história daquela peça. Você só garante [transparência] com rastreabilidade”.

Segundo os dados levantados pelo Instituto Alinha, oficinas informais ganham, em média, de R$ 4 a R$ 6 por hora de trabalho, o que significa uma jornada de noventa horas de trabalho semanal para pagar as contas e manter a oficina no fim do mês. Quando essa oficina sai da informalidade, tem condições mínimas de estar no mundo, é conectada diretamente com a marca sem intermediadores e tem um ambiente transparente para fazer negociações de preço, elas passam a ganhar de R$ 12 a R$ 18 a hora, diminuindo 3 ou 4 horas de trabalho diário. Um ponto chave do trabalho da Alinha é acabar com os intermediadores para que a marca e estilista conheçam a oficina. É por isso que a plataforma não é uma intermediadora, mas sim uma ferramenta de conexão e, com o blockchain, de rastreabilidade e transparência. Marca e oficina fazem tudo entre eles apenas com o auxílio da plataforma. “A gente entende que essa relação é importante para que essa oficina seja valorizada, o estilista precisa ir para dentro da oficina, para entender o que é fazer uma peça, para conhecer a realidade daquela oficina, para ele ter uma relação humana com essa produção”, finaliza Dariele.

O que podemos notar com essas três iniciativas que estão empurrando o movimento para frente é que não há um caminho único para alcançar transparência e, consequentemente, melhores práticas na moda. Dada a complexidade das redes produtivas e o quanto ainda precisa ser feito para avançar, fica claro a necessidade da movimentação de diversos atores e em vários elos do setor. Se, por um lado, a prática ainda engatinha, por outro, o debate sobre transparência nunca esteve tão em alta. Agora, precisamos de passos largos para a práxis alcançar o discurso.

Instituto C&A e Modefica se uniram para uma série de pautas que mostram o que está acontecendo no Brasil no âmbito de inovação, tecnologia e colaboração na indústria da moda. Convidamos nossas leitoras e leitores a refletirem sobre os desafios, conhecer e chegar junto às soluções. Não perca as próximas publicações, se inscreva na nossa newsletter. Desde janeiro de 2020, o Instituto C&A passou a operar com o nome de Laudes Foundation. Para mais informações acesse www.laudesfoundation.org.
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