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Em Meio à Crise Climática, Governo Gasta Bilhões em Subsídios aos Combustíveis Fósseis

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  • Juliana Aguilera
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Victória Lobo

8 min. tempo de leitura

Imagine um gasto público da ordem de R$ 100 bilhões ao ano, cujas informações não são claras ou são inexistentes. Não sabemos se os gastos são bons para a maior parte da população nem os maiores atores beneficiados. Isso existe e acontece, mais especificamente, com os subsídios aos combustíveis fósseis no Brasil.

Subsídios são medidas de controle de preços no mercado que favorecem consumidores e produtores, mas quando não há transparência sobre os números empregados e os impactos socioambientais, certos questionamentos aparecem. Por exemplo, ciente que o Brasil se comprometeu em reduzir os subsídios aos combustíveis fósseis, num acordo firmado em 2009 com os países do G20, como os governos brasileiros, e agora na atual gestão de Jair Bolsonaro (sem partido), têm se esforçado para ampliar alternativas e praticar uma agenda de transição energética?

Ao que tudo indica, o compromisso tem sido apenas teórico. É o que aponta uma série de estudos realizados pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos). Desde 2018, o instituto vem acompanhando os incentivos e subsídios à produção e ao consumo de combustíveis fósseis no Brasil. Os dados recolhidos através de fontes oficiais, como o Painel do Orçamento Federal e o Demonstrativo de Gastos Tributários da Receita Federal, são divididos em “gastos diretos”, “gastos tributários” e “outras renúncias” da União ao setor.

Tais subsídios abarcam as atividades upstream, ou seja, a primeira fase de busca, identificação das fontes de óleo, sua extração e transporte a refinarias; e as atividades midstream, no qual há a transformação para uso específico, como gasolina, diesel, querosene, GLP, nafta e óleo lubrificante. Já as atividades downstream estão ligadas à logística. Os beneficiados vão desde empresas como Petrobrás, Shell-Mex and BP e consumidores de energia do norte do país. Ao olhar para a série histórica, é possível perceber que na última década os valores permanecem na casa dos bilhões e, desde 2017, é notado um aumento crescente de tais renúncias e gastos.

Uma mudança considerável é com a Lei nº 13.586/2017, sancionada no governo Temer, que criou um novo regime de tributação para o setor de petróleo, consolidando um novo “perdão de arrecadação” com a redução da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ). Com isso, houve a queda dos custos de produção e ampliação da rentabilidade das petroleiras.

Ao olhar para a série histórica, é possível perceber que na última década os valores permanecem na casa dos bilhões e, desde 2017, é notado um aumento crescente de tais renúncias e gastos.

O Inesc afirma que “embora as estimativas do tamanho desses subsídios ainda estejam envoltas em controvérsias e dependam de muitas variáveis, é possível afirmar que são muito elevados: já foram estimados em R$ 1 trilhão em 20 anos”. O estudo é categórico: os subsídios à produção mostram o quanto o governo brasileiro está disposto a abrir mão de arrecadação para o setor e quanto investe recursos públicos para apoiar seu desenvolvimento.

Aos números

Em 2019, os subsídios aos combustíveis fósseis chegaram a R$ 99,39 bilhões, valor que não era superado desde 2015. Isso significa 1,36% do Produto Interno Bruto (PIB), três vezes o gasto do Bolsa Família (R$ 33,1 bilhões) e quase 29 vezes o orçamento total do Ministério do Meio Ambiente (R$ 3,44 bilhões), em 2019. Grande parte desses incentivos deriva de “outras renúncias” (87%), que não são computadas pela Receita Federal como gastos tributários. A maioria dos subsídios foi concedida ao consumo de combustível, por meio da redução de base de cálculo de tributos e contribuição incidentes sobre o consumo de gasolina e óleo diesel.

A falta de transparência dos números investidos é, certamente, um dos pontos levantados em todos os relatórios do Inesc. Segundo o relatório de 2020, o principal subsídio à produção, o Repetro, alcançou R$ 13 bilhões em valor de renúncia em 2016. O Inesc solicitou à Receita Federal, através da Lei de Acesso à Informação (LAI), atualização sobre valores e uma justificativa para que o órgão não incluísse o tributo nos cálculos do gasto tributário. Em resposta, a Receita Federal afirmou que “o cálculo da renúncia necessita da estipulação de uma referência para apuração da renúncia de cada tributo que integra o regime em questão. Entretanto, não há modelos referenciais para o Repetro”.

Sendo exclusivo do setor e o de maior valor, é fundamental que esses dados estejam disponíveis para a sociedade, que é quem, no fim, paga por eles. “Os números não são nada transparentes”, confirma Alessandra Cardoso, uma das responsáveis técnicas pelo estudo, “o setor de óleo e gás é beneficiado por uma série de regimes especiais que não são publicados anualmente pela Receita Federal. O estudo deste ano, que vamos lançar daqui um mês, segue com as mesmas questões”. Sem essas informações, Alessandra destaca, não é possível fazer um debate sério sobre reforma tributária no Brasil, pois o primeiro passo é a transparência e, paralelo a isso, avaliar a eficiência de tal subsídio.

Longe da transição energética

É importante salientar que nem todo subsídio empregado no setor petroquímico significa um investimento negativo. Por exemplo, o subsídio dado a geração termelétrica a diesel nos Sistemas Isolados (SISOL), compostos pelos estados do Acre, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Ilha Fernando de Noronha, permite que a conta de energia de tais regiões não seja tão cara quanto originalmente seria.

Esse valor é impulsionado por conta do uso de diesel na região. “Quem subsidia isso são os consumidores do Brasil todo, dentro da conta de luz”, explica Alessandra, “está na ordem de R$ 7, 8 bilhões anuais e a maior parte dessa conta é para garantir que a geração no norte não saia mais cara para o consumidor de lá. Se não tivesse, teríamos uma desigualdade regional maior”.

Ou seja, o problema não é o subsídio em si, mas sim a matriz energética, no caso, o diesel, cuja geração e transporte tornam a conta mais cara. Diante desse cenário, vemos a necessidade da transição energética para fontes menos poluentes e mais baratas. Alessandra exemplifica esse cenário para o carvão, cujo subsídio está definido para acabar em 2027. “Não faz mais sentido porque, de fato, o Brasil tem um potencial enorme de geração de energia renovável”, afirma. Subsidiar energia poluente e cara em meio à crise climática é, de fato, um contra senso.

A especialista aponta para a tendência do governo Bolsonaro de seguir ampliando e favorecendo uma geração baseada no gás natural como subsídio, apesar de já termos um potencial reconhecido de base eólica e solar. Alessandra cita o caso da privatização da Eletrobrás: “houve toda uma movimentação do setor de gás para garantir que fosse considerável como obrigação da Eletrobrás contratar termelétricas a gás. Para a gente isso é ruim, porque mostra que o país está se movimentando em uma direção equivocada”.

Existem estudos que contestam a eficiência dos subsídios ao setor petroquímico, pois isso significa um aumento da dívida pública e desencorajamento em investimentos em energia mais eficiente e limpa. Ademais, os estudos salientam a desigualdade no aproveitamento desses subsídios. Segundo a tese Impactos Macroeconômicos da Política de Subsídio a Combustíveis Derivados do Petróleo no Brasil, os subsídios são regressivos, possibilitando que uma média de 20% da população com mais renda capture 43% destes benefícios, enquanto os 20% mais pobres captam apenas 7%.

Existem estudos que contestam a eficiência dos subsídios ao setor petroquímico, pois isso significa um aumento da dívida pública e desencorajamento em investimentos em energia mais eficiente e limpa. Ademais, os estudos salientam a desigualdade no aproveitamento desses subsídios.

Apesar de não termos estudos sobre a retirada destes investimentos no setor de óleo e gás no Brasil, tendo em vista que não existem dados consistentes, alguns estudos sobre o assunto já foram realizados em outros locais e permitem uma comparação e discussão para o cenário brasileiro. No Egito, especialistas calcularam, em 2012, que uma redução de 15% nos subsídios à energia pode aumentar ou diminuir o PIB do país em 3% – a depender de onde novos investimentos forem realizados. Se ocorrerem em infraestrutura, o PIB do país cresce, se for substituído por menores impostos, o PIB cai.

Já na Índia, país com elevado gasto de subsídios à energia, foi constatado que tais benefícios são sete vezes maiores para os 10% mais ricos do país do que para os 10% mais pobres. O estudo, realizado em 2013, sugere a implementação das seguintes reformas: utilização dos preços internacionais de petróleo como referência para os preços nacionais, remoção gradual dos subsídios e realização de uma política para transferência de renda para compensar os indivíduos de classe mais baixa.

Como reforça o Inesc, “o tema da reforma dos subsídios requer um debate político acerca de quais incentivos governamentais são justificáveis econômica e socialmente. Requer, ainda, debater quais subsídios são mais custosos, equivocados e injustos do ponto de vista social e ambiental”. Segundo dados do Observatório do Clima, o setor de energia foi responsável por 19% das emissões líquidas de CO2 no Brasil. Vale lembrar novamente que o Brasil se comprometeu com o G20, em 2009, em mensurar, racionar e progressivamente eliminar os subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis.

Em meio a ações claras da crise climática, como a enchente histórica em Manaus e o aumento das temperaturas e escassez hídrica, a movimentação contrária do Governo Bolsonaro se torna ainda mais preocupante. Vemos sua preferência por fortalecer fontes de energia contestadas e obsoletas: em outubro, haverá a 17ª rodada de leilão dos blocos de petróleo e gás em áreas próximas à Reserva Biológica do Atol de Rocas, em Abrolhos, Bahia. Existe também a retomada da ativação da usina nuclear Angra 3, que segue com previsões “positivas”.

Apesar de ser um caminho longo e complexo, existem formas de reverter a dependência dos combustíveis fósseis, cujos preços voláteis comprometem a economia, além das questões socioambientais. O Inesc propõe em seus relatórios uma agenda aos órgãos e ministérios: i) a Receita Federal, acordar metodologias de mensuração e de divulgação das renúncias tributárias associadas ao setor; ii) ao Congresso Nacional, que vote o Projeto de Lei Complementar 188/2014, que obriga a Receita Federal a divulgar as empresas beneficiadas por isenções de impostos e contribuições; iii) ao Ministério da Economia, que participe da estratégia de revisão de pares, acordada entre ministros das Finanças do G20, em 2013, e iv) em conjunto ao Ministério de Minas e Energia, realizar a avaliação independente, quantitativa e qualitativa, dos subsídios aos combustíveis fósseis de modo a dimensionar sua pertinência, eficiência, eficácia, impacto e sustentabilidade.

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