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Plástico Verde da Braskem é Rota Fácil, Porém Pouco Verde, Para Empresa Vender Mais Plástico

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  • Juliana Aguilera
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Victória Lobo

9 min. tempo de leitura

O plástico verde é uma aposta confortável: ele não vem de origem petroquímica e foi reconhecido pela ONU, em 2020, como um dos casos mais transformadores em desenvolvimento sustentável no Brasil. No entanto, ao olhar para sua rede produtiva, do berço ao fim, começamos a notar as lacunas no chamado “bioplástico”. A começar por: ele não é biodegradável, logo, seu fim é o mesmo que o plástico tradicional, em aterros, lixões e no mar.

O plástico verde é uma aposta confortável: ele não vem de origem petroquímica e foi reconhecido pela ONU, em 2020, como um dos casos mais transformadores em desenvolvimento sustentável no Brasil. No entanto, ao olhar para sua rede produtiva, do berço ao fim, começamos a notar as lacunas no chamado “bioplástico”. A começar por: ele não é biodegradável, logo, seu fim é o mesmo que o plástico tradicional, em aterros, lixões e no mar.

Segundo a Braskem, a empresa produtora do plástico verde, o Brasil é um país que recicla apenas 3% dos quase 80 milhões de toneladas de lixo produzidos – com perda estimada em R$ 120 bilhões ao ano. Mas propor como solução um produto que aposta na monocultura de cana-de-açúcar e cujo “verde” é bastante questionável, parece apenas mais um exemplo de lavagem verde, ou greenwashing.

Cenário brasileiro

São abundantes os dados sobre poluição plástica no Brasil: desde estudos que comprovam que mais de 95% do lixo nas praias brasileiras é plástico, em sua maioria provindo da gestão inadequada do lixo urbano e atividades econômicas, à presença de pellets enterrados em até 2m de profundidade em praias brasileiras. O microplástico, na verdade, já foi encontrado em até 5 quilômetros de profundidade no oceano Pacífico – para comparação, o maior arranha-céu do mundo possui 828 metros. No Ártico, partículas de plástico caem com a neve. Existem dados que sugerem que, quem come frutos do mar regularmente, ingere cerca de 11 mil pedaços de microplástico por ano.

O problema tem origem em grande parte nas cidades. Em 2012, o Ministério do Meio Ambiente afirmava que 60% dos municípios brasileiros não dispunham de aterro sanitário adequado. Em 2020, essa realidade ainda não havia mudado muito, tendo em vista que quase metade dos municípios brasileiros ainda possuem lixões. Enquanto regiões como Sul possuem 86,04% de destinação correta de seu lixo, Norte e Nordeste possuem, respectivamente, 13,96% e 14,51%. Quando olhamos para a taxa de reciclagem, ela é infimamente menor: a região Sul recicla 7,66% do seu lixo (maior valor), já a Norte, 1,12%, e Nordeste 0,41%.

Em tese, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), sancionada em 2010, deveria resolver parte desse problema. Mas como conta Maureen Santos, ecologista e cientista política, coordenadora da FASE e da Plataforma Socioambiental do BRICS Policy Center, ainda faltam vários instrumentos infralegais 1Que está em posição inferior a uma lei, na disposição hierárquica jurídica para que ela seja implementada efetivamente. “Ela só funciona se você tiver um acordo muito forte entre os três níveis de responsabilidade dos governos”, afirma.
 

Plástico verde, bioplástico, plástico comum

Enquanto a preocupação pela poluição por plástico atinge de forma crescente a sociedade e as cobranças sobre as lideranças políticas e empresariais para encontrar soluções para o problema se intensifica, a Braskem viu uma brecha para lançar seu plástico verde.

Adicionar nomenclaturas vagas como “verde” ou “bio” nos produtos é uma estratégia antiga do mercado, mas que quando associada à palavra “plástico” pode gerar ainda mais confusão e um entendimento completamente equivocado sobre sustentabilidade. Para entender o quão verde é o plástico verde, precisamos primeiro compará-lo com o plástico comum e o bioplástico, o que realmente se degrada no meio ambiente, embora em condições especiais.

A Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) explica que a única diferença do plástico verde e do comum é sua origem: o primeiro, provém da cana-de-açúcar e o segundo, do petróleo. Logo, o plástico verde possui menor pegada de carbono e fonte renovável. Mas ele também pode fomentar o uso extensivo de terra para monocultura da cana-de-açúcar e, por consequência, tudo o que normalmente está associado ao agronegócio (como uso intensivo de agrotóxicos, água, conflitos agrários, etc.), além de destinar áreas produtivas para produção de commodity no lugar de alimentos.

Segundo o Atlas do Plástico, o plástico verde não necessariamente é feito 100% de matéria-prima renovável. Ele pode ser misturado ao polietileno convencional e recebe o selo ‘I’m Green’ (sou verde) desde que tenha pelo menos 51% de polímero ‘verde’ em sua composição. Seu tempo de decomposição é de até 400 anos e causa os mesmos danos ambientais do plástico comum quando disposto no meio ambiente.

Já o plástico realmente biodegradável, ou bioplástico, se decompõe em até 180 dias, em um processo realizado pela ação de microorganismos em um ambiente controlado em usinas de compostagem – das quais o Brasil conta com apenas 80, sendo que grande parte delas está desativada por falta de políticas de coleta, triagem e processamento do material coletado. Dessa biodegradação, resultam água, CO2 e biomassa. Se descartado em um outro local, por exemplo, um aterro sanitário, o plástico biodegradável exigirá um tempo maior para se degradar e irá gerar uma grande quantidade de gases do efeito-estufa (GEEs).

Existem pontos de atenção quando olhamos para o plástico biodegradável. Primeiro, ele pode ter sua origem em fontes petroquímicas, como o PHB, produzido pela empresa Basf. Outro ponto é que quando rotulado como “compostável”, ele se refere à compostagem industrial, e não à doméstica de minhocário ou seca. Mas, como aponta o Observatório dos Lixões, apenas 580 municípios realizam a compostagem de lixo – esse número representa pouco mais de 10% do total.

Já um estudo realizado por Ítalo Braga, biólogo e professor da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), aponta que as oito principais marcas de canudo biodegradáveis vendidas no Brasil não são, realmente, biodegradáveis. “Fizemos uma análise de laboratório”, explica, “como não há fiscalização, o mercado rapidamente fornece uma alternativa, em tese biodegradável, só que na verdade era uma mentira”. O professor é categórico: plástico biodegradável de verdade não existe comercialmente. “Tudo que você vê rotulado como biodegradável, se tratando de plástico, não precisa nem me dizer qual é a marca, eu já te falo que é greenwashing”.

E por que é tão difícil escalar essa variedade? Os motivos são vários, como o valor da produção. “Por que o plástico se tornou o que é?”, questiona Ítalo, “porque ele é barato, versátil, resistente, dá para moldar em diversas formas. Esse conjunto de propriedades do plástico tradicional ainda não foram encontradas, tecnologicamente, em nenhum produto comercial”.

Como as empresas se comportam diante do lixo plástico

Ao se tratar da iniciativa privada, o custo de produção vem acima de tudo. Ítalo salienta que o plástico biodegradável não é aplicável em qualquer tipo de utensílio e, para uma empresa, não é interessante apostar em diversas máquinas para a produção de diversos produtos. “O resultado disso é que, embora existam alguns avanços tecnológicos no cenário dos plásticos biodegradáveis, você não vai achar utensílios feitos a partir deles”, afirma.

Já o plástico verde é mais versátil e seu uso tem sido ampliado. A Braskem, única produtora do plástico verde no Brasil, começou a produzir o produto em escala mundial em 2010 e hoje é a líder global na produção de biopolímeros, com capacidade para fabricar, anualmente, 200 mil toneladas do material (quase 4 Titanics). A empresa anunciou, esse ano, que pretende aumentar sua capacidade de produção para 260 mil toneladas anuais a partir de 2022.

A Braskem também aponta diversas iniciativas feitas com parceiros para tratar a questão do lixo plástico. Em uma entrevista concedida à Folha, em 2019, o presidente da empresa, Fernando Musa, afirmou o compromisso da Aliança para o Fim dos Resíduos Plásticos – uma iniciativa feita por um grupo de 30 empresas do setor de plástico que pretendem investir US$ 1,5 bilhão (R$ 8,14 bilhões) em 5 anos para combater a poluição. Entre as empresas do grupo, estão: BASF, ExxonMobil, Mitsubishi Chemical Holdings, Mitsui Chemicals, Shell-Mex and BP.

Quando falamos em bilhão, o valor pode surpreender – é, aliás, a primeira movimentação do tipo no setor para mitigar a poluição plástica. Porém, quando olhamos para os ganhos líquidos das empresas, o valor deixa de impressionar. A receita líquida da Braskem, em 2020, foi de US$ 11 bilhões (R$ 59 bilhões). Da Basf, no 4º trimestre de 2020, US$ 1,29 bilhão (R$ 7 bilhões). O valor do investimento dividido pelas 30 empresas é de 50 milhões, o que significa para 5 anos de projeto um investimento de 10 milhões anuais por empresa. Esse valor representa 0.09% do ganho líquido da Braskem em 2020. Isso equivale a um trabalhador que recebe um salário mínimo doar, anualmente, R$ 11,88 para a contenção da poluição plástica.

Em maio, a fundação australiana Minderoo divulgou que apenas 20 empresas são responsáveis por produzir metade do lixo plástico do mundo. Em nono lugar, se encontra a Braskem. A fundação ainda afirmou que a produção de plástico no mundo deverá aumentar em 30% nos próximos cinco anos. O cenário de contínuo aumento do plástico – seja ele “verde”, “bio” ou comum -, somado à baixa taxa de reciclagem e ausência de políticas públicas efetivas, não nos permite um cenário otimista.

Questão coletiva e de ordem pública

As Nações Unidas têm chamado atenção mundial para a Década do Oceano, mas essa temática não aparece com destaque nem na agenda da gestão Bolsonaro, nem no Congresso Nacional. Maureen destaca um estudo contratado pelo Senado Federal sobre propostas relacionadas à temática do plástico no legislativo. “São 135 projetos de leis na Câmara dos Deputados, que foram apresentados entre 1995 e 2019. Alguns deles estão em comissão para serem tramitados e estão parados”, afirma. Para a cientista política, é necessário que tais legislações sejam sancionadas para que a PNRS tenha mais financiamento e sua implementação seja fortalecida.

A pesquisadora aponta como o debate da poluição plástica, muitas vezes, acaba caindo na responsabilização individual. “Isso não é uma questão relativa ao plástico em si, mas se formos pensar na questão de energia, água, alimentação, a responsabilidade individual, sozinha, não consegue modificar as coisas”, explica, “a gente precisa de uma transição coletiva. O setor privado vai ter que se modificar, porque, senão, vamos continuar enxugando gelo”. Ou sendo soterrados por plástico.

Para exemplificar como essa mudança é possível, Maureen cita a Convenção de Viena, que foi base para o Protocolo de Montreal, em 1987, que tratou das substâncias que destroem a camada de ozônio. “A Convenção de Viena foi extremamente efetiva para auxiliar a indústria a fazer sua transição. Quando ela cria o protocolo, eles dão um período para os países fazerem sua transição industrial, com a proibição do CFC, e com isso eles criam um fundo multilateral de financiamento”, relembra.

Logo, não basta apenas criar redução ou restrições a, por exemplo, o plástico de uso único. É necessário um cronograma de transição, que também seja financiado, regulamentado e fiscalizado. “Somente as empresas não vão mudar completamente sua forma de produzir”, afirma, “você pode ter uma demanda de nicho de mercado, mas isso não é suficiente”. Por enquanto, o plástico verde só tem servido para confundir as pessoas e aumentar os ganhos das empresas. Enquanto isso, nós seguimos comendo e respirando plástico.

Essa é a 6ª matéria da série 97,5%: Oceano, Clima e Saúde Coletiva, no qual nos propomos a abordar a Década da Restauração Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, aproximando as pessoas que nos lêem do oceano, espaço que conhecemos tão pouco e que, apesar de estar distante do imaginário coletivo, é essencial para a saúde de todas as pessoas. Veja todas as matérias da série aqui. 
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