Organização de mídia, pesquisa e educação sem fins lucrativos que atua por justiça socioambiental e climática por meio de uma perspectiva ecofeminista.

pesquise nos temas abaixo

ou acesse as áreas

apoie o modefica

Somos uma organização de mídia independente sem fins lucrativos. Fortaleça o jornalismo ecofeminista e leve a pauta mais longe.

Do Luxo ao Fast Fashion Relatório Revela Relação de Marcas de Moda Com o Desmatamento da Amazônia

Publicada em:
Atualizada em:
Texto
  • Juliana Aguilera
Imagens

Time Modefica

7 min. tempo de leitura

Estudo inédito conduzido pela Stand Earth relaciona mais de 150 marcas de moda com o desmatamento da floresta Amazônica. O produto que liga essa rede: o couro. A pecuária não só é um dos grandes responsáveis pelas emissões de gases do efeito estufa (GEEs) no país, como é também o principal motivo de desmatamento no bioma. Entre os nomes levantados associados ao desmatamento estão: Louis Vuitton, Dior, Guess, H&M, Nike, Zara, Vans, Tiffany & Co e Tommy Hilfiger.

A partir de uma das principais fornecedoras brasileiras, a JBS, a investigação, que ainda está em curso, resultou em mais de 400 conexões individuais da rede de suprimento entre diversas empresas, como curtumes brasileiros, processadores de couro em vários países, fabricantes de produtos e marcas de moda em todo o mundo. No momento da publicação, o documento já conecta mais de 100 marcas. Cerca de 80% do couro bovino produzido no Brasil é exportado para países como: China e Hong Kong (41.6%), Itália (27.3%), Vietnã (9.6%), Taiwan (5.6%), índia (3.5%), Estados Unidos (2.5%) e Tailândia (2.2%).

Especializado em pesquisa de cadeia de custódia 1 documentação cronológica ou histórica que registra a sequência de custódia, controle, transferência, análise e disposição de evidências físicas ou eletrônicas., identificando e rastreando matérias-primas à medida em que se movem por redes produtivas complexas, o Stand.Earth rastreia a destruição ambiental e as violações de direitos humanos relacionados à produção de diversos produtos. 

O grupo analisou quase 500 mil listas de documentos alfandegários obtidos de cruzamento de dados coletados de diversas fontes, como: dados da alfândega brasileira, vietnamita, chinesa, indiana, paquistanesa; dados estatísticos – como Comex Stat -; sites de processadores de couro; relatórios anuais (principalmente em chinês); apresentações para investidores e relatórios de ESG – Governança Ambiental, Social e Corporativa; postagem em mídias sociais de processadores de couro; lista de divulgação aberta de fornecedores de marcas de moda; o banco de dados Internet Archive e banco de dados de SRG – ”Security Requirements Guide” ou Guia de Requisitos de Segurança, em tradução literal – feito sob medida entre matriz, subsidiária e marca. 

Curtume e desmatamento

A indústria pecuária é o maior impulsionador do desmatamento da floresta amazônica e das florestas tropicais em todo o mundo. O desmatamento causado pela pecuária na Amazônia é responsável por quase 2% das emissões globais de CO2 anualmente, o equivalente às emissões de todos os voos de avião em todo o mundo. E estamos falando apenas da floresta Amazônica, desconsiderando regiões de destaque para a pecuária, como o Cerrado. Ou seja, na realidade, esse valor tende a ser muito maior.   Vale lembrar que a indústria da moda emite 2,1 bilhões de toneladas de GEEs anualmente – 4% das emissões globais que podem ser volumes maiores, tendo em vista a dificuldade em rastrear sua rede, como vemos por aqui.

O Brasil possui o maior rebanho bovino do mundo, com cerca de 215 milhões de animais – o valor supera o da população em 3 milhões. A indústria do couro é lucrativa para os frigoríficos: em 2020, o setor correspondeu a US$ 1,1 bilhão (R$ 6,16 bilhões), ou 18% da receita total – se contabilizado o acumulado do ano até setembro. 

Um estudo do World Resources Institute descobriu que, de 2001 a 2015, a pecuária foi responsável pela perda de 36% da cobertura vegetal em todo o mundo. O gado substituiu quase o dobro de floresta quando comparado a todas as outras commodities combinadas. Dessa área desmatada, 45% foi brasileira, um total de 21,8 milhões de hectares. Esse valor significa 37 cidades de Brasília ou 4 estados do Espírito Santo e se divide em 70% no bioma Amazônia e 30% no Cerrado.

Segundo dados do Terra Brasilis, 6,7 milhões de hectares de floresta foram perdidos na Amazônia na última década (2011-2020). Até novembro de 2021, o bioma contabiliza 11 mil km² desmatados – duas vezes mais do que em 2011 – tendo como destaque o estado do Pará, com 43% do desmatamento, seguido de Mato Grosso, com 18%. O documento do Stand.Earth aponta que existem “evidências que sugerem que a maior parte do desmatamento no Brasil é feito ilegalmente”. 

O gado substituiu quase o dobro de floresta quando comparado a todas as outras commodities combinadas.

Mas como Joana Portugal, autora contribuinte do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) e uma das responsáveis pelo capítulo de lacunas de emissões do relatório do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) salienta: “que seja ilegal ou legal, tem emissão de dióxido de carbono”. Logo, ainda que sejam sob terras legalizadas, como acontece no Cerrado, o desmatamento na Amazônia é preocupação para o futuro da floresta, dos povos que nela habitam e de todos nós. 

O Stand.Earth também afirma que inúmeros estudos e investigações têm demonstrado de forma consistente que a JBS, a maior empresa de carne bovina e couro no Brasil, é também a maior contribuinte para a destruição da floresta amazônica. A análise dos documentos se concentrou no rastreamento do couro exportado pela multinacional, começando com cliente da primeira linha, ou seja, processadores de couro. A  análise também mapeou exportações de couro de todos os seis maiores exportadores (excluindo empresas de logística) para esses mesmos processadores.

infográfico mostrando a rede produtiva do couro a partir do desmatamento às marcas.
Rede produtiva de produtos de couro.

A rede produtiva da JBS foi exposta a mais de 3 milhões de hectares de desmatamento na última década. Dados de satélite divulgados pela Anistia Internacional ligam a empresa a 91 mil hectares de desmatamento na floresta amazônica entre março de 2019 a março de 2021 – dos quais 81% eram possivelmente ilegais. O grupo ainda afirma que “a quantidade total de desmatamento associado à JBS sobre esse período de tempo é provavelmente muito maior”. A ilegalidade, aliás, tem sido frequentemente associada à multinacional. 

Exemplos de áreas protegidas invadidas pelo gado ilegal fornecido à JBS incluem: a reservas extrativistas do Rio Ouro Preto e Rio Jaci-Paraná e o território indígena Uru-Eu-Wau-Wau, todas localidades no estado de Rondônia. A reserva do Rio Jaci-Paraná, aliás, passou por grande perda recentemente: junto com o Parque Estadual Guajará-Mirim, a área perdeu cerca de 90% de sua proteção, totalizando menos 219 mil hectares de proteção ambiental. Esse valor equivale às cidades de São Paulo e Salvador juntas. 

A Lei Complementar nº 1.089/2021 foi financiada pela atividade pecuária: segundo apuração da Repórter Brasil, 11 dos 25 deputados estaduais que aprovaram o projeto são pecuaristas ou foram financiados por criadores de gado. A redução da área beneficia a atividade, tendo em vista que existem aproximadamente 120 mil cabeças de gado na reserva Jaci-Paraná. A reportagem ainda apurou que seis deputados estaduais receberam doações de pecuaristas na sua última campanha eleitoral, sendo eles: Alex Redano (DEM), Cássia das Muletas (Podemos), Geraldo da Rondônia (PSC), Johny da Paixão (PRB), Lebrão (MDB) e Luizinho da Fetagro (PT). Luizinho da Fetagro também está no grupo de pecuaristas políticos, junto de: Adelino Follador (DEM), Edson Martins (MDB), Ezequiel Neiva (PTB), Luizinho Goebbel (PV) e Laerte Gomes (PSDB).

Amazônia desmatada para produção de couro.
Imagens de satélite mostram o pasto recém desmatado para produção de couro.
A produção da JBS e o desmatamento por região.
A rede de desmatamento é vinculada diretamente à JBS, maior exportadora de carne bovina brasileira.

O Stand.Earth conclui que todas as empresas que compram diretamente ou indiretamente da JBS por meio de processadores de couro estão sob risco muito alto de estarem associadas ao desmatamento na floresta amazônica e, logo, ao seu colapso. Além disso, o estudo aponta que, embora a JBS seja a maior exportadora de couro no Brasil e objeto da pesquisa, o problema é endêmico para toda a indústria do couro brasileira. Isso inclui outras empresas de curtumes, como Minerva e Fuga Couros. 

Nomes aos bois

As 186 marcas são divididas em “conexão única” e “conexões múltiplas”, sendo as da segunda lista com maior risco de estarem associadas ao desmatamento na Amazônia. Dentre todas, apenas 20 marcas (10.7%) possuem alguma política sobre obter couro proveniente do desmatamento, e apenas 15 (5%) proíbem explicitamente a compra de couro provindo da Amazônia. As empresas que possuem ambas políticas são maioria no grupo de conexões múltiplas, como Adidas, H&M e VF Corp – cuja marca Vans tem suas operações brasileiras controladas pela Arezzo. A ligação da Vans com o desmatamento é revelada no meio da nova campanha de sustentabilidade da marca. Anunciada diretamente da Califórnia, a incorporação de uma “abordagem mais sustentável” dos clássicos da Vans veio por meio da implementação da borracha natural e tinta à base de água nos calçados da linha. 

Todas as empresas que compram direta ou indiretamente da JBS por meio de processadores de couro estão sob risco muito alto de estarem associadas ao desmatamento na floresta amazônica e, logo, ao seu colapso. Além disso, o estudo aponta que, embora a JBS seja a maior exportadora de couro no Brasil e objeto da pesquisa, o problema é endêmico para toda a indústria do couro brasileira. Isso inclui outras empresas de curtumes, como Minerva e Fuga Couros.

 

No grupo de marcas com conexão única estão 53 nomes, como: Alexander Wang, Giorgio Armani, Decathlon, Cartier Target e Walmart. Já no grupo com conexões múltiplas, estão 133 marcas, como: Adidas, Reebok, Michael Kors, Jimmy Choo, Versace, Guess, H&M, Zara, Louis Vuitton, Fendi, Dior, Givenchy, KenzoMarc Jacobs, Tiffany & Co, Lacoste, Prada, Miu Miu, Nike, Puma, Calvin Klein, Tommy Hilfiger, The Gap, Banana Republic, The North Face, Supreme, Timberland, Kipling.

A partir do relatório, a The Slow Factory, está organizando uma mobilização internacional para pressionar marcas e lideranças políticas a trabalharem pelo fim do desmatamento da Amazônia. Saiba mais e assine a petição aqui.

Essa matéria foi atualizada em 01/12/2021, às 11h00, pois a afirmação de que os dados apresentados se referem apenas à Amazônia e não o Cerrado são referentes às emissões do desmatamento causado pela pecuária e não do estudo do World Resources Institute. 
* * *

Jornalismo ecofeminista a favor da justiça socioambiental e climática

Para continuar fazendo nosso trabalho de forma independente e sem amarras, precisamos do apoio financeiro da nossa comunidade. Se junte a esse movimento de transformação.